ARTIGO – DE QUEM É A CASTANHA?
A castanha é fruto da castanheira – uma obviedade, mas com definição própria para este caso. A castanheira, de nome botânico bertholletia excelsa, como expressa o nome latino, é uma gigantesca árvore Domingo,06 de abril de 2025. Acordo às 5h30 da manhã e faço as abluções matinais. Estou em uma enfermaria em Manaus. Sento no leito hospitalar e zapeio o celular: mais um naufrágio na Amazônia envolvendo um barco em navegação no caudaloso rio Amazonas para as bandas de Breves; milhares em manifestações contra o Trump, nos Estados Unidos; forças orientais se unem – China, Coreia do Sul e Japão dando as mãos em foto histórica que sela a disposição de um enfrentamento político e econômico numa determinação de briga de poderes no Primeiro Mundo. E chego a uma notícia publicada no último dia 4: vai virar lei no Amazonas a mudança do nome da castanha do pará para castanha do amazonas. No silêncio da enfermaria, ocupada por quatro “hóspedes”, pensei: pronto, agora inventaram a roda e atiçaram um formigueiro cultural. Não sou um especialista na botânica, mas é preciso fazer uma imersão no conhecimento botânico, histórico em esmo etimológico do produto em tela. A amêndoa é rica em vitaminas A, B e E, com concentração também de ômega e em outros nutrientes. Há recomendações de consumo diário para combater e prevenir várias doenças. A concentração vitamínica é grande que duas castanhas apenas correspondem a um ovo em valor nutritivo.Como não pretendo me ater às discussões proteicas e nutritivas do produto, mas apenas estabelecer relação com o pomo da discórdia aqui, não buscarei fundamentar essas informações. A castanha é fruto da castanheira – uma obviedade, mas com definição própria para este caso. A castanheira, de nome botânico bertholletia excelsa, como expressa o nome latino, é uma gigantesca árvore que pode atingir 60 metros de altura e 5 metros de diâmetro,com vida de mais de 800anos. É madeira de lei concorrida e protegida por decreto federal nº 1.282, de 1994, que proíbe sua derrubada sem autorização pelo órgão ambiental. As castanhas são o conteúdo dos ouriços. Cada ouriço–que caído alto das árvores quando já está maduro – pode ter entre 10 a 25 castanhas, 16, em média. Historicamente, a castanha, sem a denominação de sua especificidade como substantivo composto, é de prática de cultivo milenar, conforme os estudos arqueobotânicos. Há mais de 11 mil anos se tem informações de que populações indígenas cultivavam o produto não apenas como um produto de subsistência, mas também de princípio cultural. Plantavam as árvores gigantescas ao redor de suas aldeias como uma proteção para garantir frutos para gerações futuras. O projeto de lei, de autoria do deputado Sinésio Campos (PT), muda o nome de castanha do pará para castanha do amazonas. E faço a distinção na grafia com minúscula e maiúscula para que se entenda melhor o que exponho logo a seguir. Basta agora o jamegão do governador Wilson Lima (União) para a oficialização em seu estado do novo substantivo da castanha, que, na realidade, já vem sendo aplicado há muito tempo numa briga talvez mais bairrista cultural que comercial. Eis o pomo da discórdia. Assim, a estampa no produto exposto das feiras aos supermercados, ou em outros nichos mercadológicos, será castanha do Amazonas. O parlamentar justifica que o nome de castanha do Pará é uma restrição à produção paraense. Sinésio pretende ir mais adiante. Quer sugerir que cada estado produtor dessa amêndoa adote a mesma medida. Vai levar a proposta debaixo do braço para o Parlamento Amazônico, que reúne 270 parlamentares da região. Tudo bem quanto à ideia do parlamentar da mudança do nome da castanha pelo viés econômico, mas causa polêmica. Sinésio, tem origem fincada nas minhas raízes também. Nasceu no interior de Santarém, em 1963, com uma diferença de idade de apenas alguns meses. Está no sétimo mandato consecutivo na assembleia amazonense, o que o chancela a pensar em voos mais altos, talvez o Senado Federal nas próximas eleições. É um paraense amazonense. Não sou economista, mas ouso meter o dedo na combuca alheia. A castanha é produzida em todos os estados amazônicos e mesmo em regiões de países pan-amazônicos. A Bolívia mantinha-se como um dos países de maior produção. A dicotomia que se cria ao redor da nova nomenclatura da amêndoa amazônica é que, se cada estado produtor criar o seu próprio nome, o comércio poderá se restringir ao seu espaço geopolítico. O Amazonas poria em suas prateleiras a “castanha do acre”?, ou “castanha de rondônia”? Dificilmente. Mas, a consequência poderia ser um possível desastre econômico, embora, esse produto comumente seja consumido pela produção interna que abastece suas feiras e mercados em seus estados. Mas, e como ficaria o comércio exterior sem uma referência específica. O comércio exterior faria uma confusão, sem se saber se haveria diferença de origem botânica. Observe-se que eu mantenho a grafia em minúscula. Por quê? Porque se trata de um nome comum, o nome de um produto. Por isso, não é o enaltecimento de um estado em si. O imbróglio é discussão de raízes bairristas. O nome de castanha do pará foi adotado no período do Grão-Pará, no século 19, em virtude da grande produção dessa amêndoa, que passou a ser exportada, ganhando uma referência de sua origem. A propósito, essa província teve nome maior, Província do Grão Pará e Maranhão. À época não havia a configuração do Amazonas, nem Acre ou outros estados da região. Por isso, o nome de castanha do pará não foi especificamente para enaltecer o Pará, quanto geoestado inexistente à época, mas uma catacrese. O Acre, na época do Chico Mendes, tinha a castanha como o maior pilar do extrativismo. E não se brigava pelo nome. Para exportação, o governo brasileiro adotou a amêndoa, na década de 1950, como castanha do brasil. E não se ouviu nenhuma polvorosa em torno da questão entre os demais países da Pan-Amazônia. Mas internamente, a medida foi aceita pela referência internacional do produto. Metonímia aceitável. Então, e agora, como fica?Apostas na mesa. Com quem
ARTIGO – DESACELERAR PARA VIVER MELHOR
Com o tempo, fui entendendo que a pressa nem sempre me leva mais longe. Comecei a ser mais gentil com meus passos, permitindo-me sentir cada momento sem a ansiedade de um destino final. Porque, no fim das contas, não há um lugar específico onde preciso chegar. O verdadeiro caminho sou eu mesma. Aprendi a aproveitar cada respiração, cada amanhecer, cada conversa sincera. Percebi que a pressa rouba a beleza do presente, enquanto a calma me ensina a apreciar a jornada. E que jornada linda tem sido! Então, hoje, te convido a desacelerar. A sentir o vento no rosto, a saborear cada instante e a entender que a vida não é uma corrida, mas sim um caminho a ser trilhado com leveza. Porque você não é apenas o viajante, você é a própria viagem. Colunista Colaborador – Álvaro Silva
ARTIGO – CARTA AOS BISPOS CATÓLICOS DO BRASIL
Eminências: O catolicismo era, no Brasil, a confissão religiosa majoritária na década de 1950, abraçada por 93,5% da população. (IBGE). No censo de 2010, declararam-se católicos 64,6% da população. Os evangélicos, 30%. Em 2030, segundo prognósticos, os católicos serão de 35 a 40% da população e os evangélicos, de 38 a 40%. Enquanto os católicos declinam 1 ponto percentual ao ano, os evangélicos crescem na mesma proporção. Por que o catolicismo retrocede? São várias as razões. A hierarquia católica cometeu dois pecados capitais nos últimos 60 anos: fragilizou o apoio às Comunidades Eclesiais de Base – o movimento eclesial mais expressivo da história da Igreja no Brasil e de maior capilaridade nacional. Mas o primeiro pecado foi, após o golpe militar de 1964, levar a Ação Católica à agonia e morte. Onde se encontra, hoje, o laicato participativo, crítico, apostolicamente ativo entre operários, universitários e intelectuais? Aliás, nossas universidades católicas evangelizam? Em muitas delas se formaram notórios políticos corruptos e legitimadores da opressão social. De fato, o clero sempre temeu o protagonismo dos leigos. Devem ser apenas cordeiros cuja lã serve para ser tosquiada pelos pastores, como declarou o papa Inocêncio III. Por que, em nossas missas dominicais em paróquias de classe média, os patrões comparecem, mas seus empregados (cozinheiras, faxineiras, porteiros de prédios etc.) vão para a Igreja evangélica? Diz-se que a Igreja Católica fez opção pelos pobres, e os pobres, pelas Igrejas evangélicas… Aponto algumas causas da redução de nossa grei. Uma delas, com frequência denunciada pelo papa Francisco, é o clericalismo. Vide uma missa dominical. Tudo centrado na figura do sacerdote. Quando muito, um leigo ou leiga lê um dos textos litúrgicos. Os fiéis ignoram uns aos outros. No “abraço da paz” saúdam os vizinhos de banco sem sequer perguntar pelos nomes deles. Na hora da homilia, por vezes suportam a pregação aborrecida de um celebrante que nunca fez curso de oratória, não tem conteúdo (não lê e teve formação medíocre em filosofia e teologia), adota um discurso moralista. Procura se salvar com evocações emotivas porque não sabe como abastecer “as razões de nossa esperança”. Sei que a maioria dos senhores jamais participou de um culto evangélico. Nosso ecumenismo não ultrapassa os limites de algumas Igrejas protestantes históricas. O que é uma lástima. Os seminaristas não são incentivados a abraçar o diálogo interreligioso e, em geral, têm visão preconceituosa das outras confissões religiosas. O que sabem de nossas religiões indígenas? Alguma vez foram a um terreiro de candomblé ou umbanda? Ou a um centro espírita? A maioria ignora as matrizes da religiosidade brasileira. Se os senhores bispos fossem a um culto evangélico veriam os motivos do crescimento exponencial desse segmento cristão. Há cultos que duram duas ou três horas sem aborrecer os fiéis, ao contrário de muitas de nossas missas. Sabem por quê? Porque os fiéis têm participação ativa. Dão testemunhos de vida, vídeos atrativos são exibidos, os músicos e cantores aprimoram seus talentos, há escolas bíblicas. Os fiéis se conhecem pelo nome, o aniversário de cada um é comemorado em comunidade, há forte corrente de entreajuda (um dentista ou médico atende irmãos e irmãs). Ali as pessoas não são anônimas; ganham autoestima. Um cuida de arrumar emprego para o outro. Há entre eles forte vínculo afetivo. E a pauta de costumes leva-os a conhecer a prosperidade, pois abandonam os vícios e, assim, aumentam a poupança familiar. Não me sinto afinado com a teologia da maioria das Igrejas evangélicas, porque enfatizam mais o Antigo que o Novo Testamento; o diabo mais que Deus; o Deus da punição mais que o Deus do amor; o pecado mais que a graça. E muitas Igrejas estão politicamente alinhadas ao conservadorismo, à naturalização da desigualdade social, à exaltação das riquezas. Incutem nos fiéis a “servidão voluntária”. Fazem uma leitura equivocada da Bíblia ao retirar o texto do contexto, como também acontece entre nós, católicos. Porém, conseguem criar forte senso de pertença e comunidade, imprimindo sentido à vida de todos. Não escrevo aos senhores para suscitar espírito de competição entre Igrejas. Temos muito a aprender com nossos irmãos evangélicos. Escrevo porque me inquieta o retrocesso da Igreja Católica, a perda do profetismo de nossos pastores, o esvaziamento de nossas paróquias, essa nova geração de seminaristas e padres apegada à batina, aos símbolos religiosos, às imagens sacras. Sacerdotes próximos às classes média e rica, e distante dos excluídos e vulneráveis, apegados ao conforto e à acumulação de bens. Escrevo porque sinto que Francisco, como João Batista, é um papa que clama no deserto… Será que dentro da Igreja Católica ainda há salvação para o Evangelho de Jesus? Deus nos encoraje e ilumine! Frei Betto é escritor, autor de “Jesus rebelde” (Vozes), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org Assine e receba todos os artigos do autor: mhgpal@gmail.com
ARTIGO – O Exílio Silencioso: A Memória e o Companheirismo dos Padres Afastados

Não se trata de rejeição, mas de um processo de reacomodação, de reconstrução de laços que foram enfraquecidos pelo tempo e pela distância. “Quem não é visto não é lembrado”. A máxima, cruel em sua simplicidade, ecoa nos corredores da memória daqueles que, por diferentes razões, se afastam de um grupo, de uma comunidade, de um ideal. No contexto específico dos padres que deixam o sacerdócio, essa frase ganha contornos ainda mais dramáticos, revelando um processo de exílio silencioso, onde a ausência física se traduz em um progressivo esquecimento. Ao optar por trilhar outros caminhos, seja por questionamentos vocacionais ou pela busca de novas experiências, esses homens abdicam não apenas de um cargo, mas de uma identidade construída ao longo de anos de dedicação. O lugar que antes ocupavam, outrora central em suas vidas, transforma-se em um vazio, um espaço que, aos poucos, é preenchido por novas presenças e novas dinâmicas. É natural que, nos primeiros momentos após o afastamento, os laços construídos durante o seminário e o exercício do sacerdócio ainda se mantenham vivos. Os antigos companheiros, movidos pela amizade e pela preocupação, buscam manter contato, atenuar a saudade e oferecer apoio. No entanto, a distância física impõe um desafio considerável à manutenção desses vínculos. Aos poucos, a frequência dos encontros diminui, as conversas se tornam mais espaçadas e a ausência, antes sentida como um incômodo, passa a ser tolerada, até mesmo naturalizada. O retorno, caso ocorra, também é permeado por estranhamento. A comunidade, habituada à ausência, precisa se readaptar à presença do antigo membro, o que pode gerar desconforto e hesitação. Não se trata de rejeição, mas de um processo de reacomodação, de reconstrução de laços que foram enfraquecidos pelo tempo e pela distância. Nesse contexto, a frase “quem não é visto não é lembrado” adquire um significado ainda mais profundo. Para aqueles que se afastaram, é fundamental reafirmar sua presença, mostrar que sua história de vida, suas experiências e seus valores ainda estão intrinsecamente ligados àquele grupo. No entanto, essa reaproximação deve ser pautada pelo respeito e pela humildade, evitando o narcisismo e buscando o verdadeiro companheirismo. A palavra “companheiro”, com sua origem no latim “cum pane” (aquele que come do mesmo pão), evoca a ideia de comunhão, de partilha, de união em torno de um objetivo comum. Os padres que compartilharam o mesmo altar, a mesma unção e o mesmo ideal, mesmo que trilhem caminhos diferentes, permanecem unidos por uma história em comum, por uma experiência que moldou suas vidas e que merece ser lembrada e valorizada. Portanto, é preciso romper o ciclo do esquecimento, cultivar a memória e fortalecer os laços de companheirismo. Que a ausência física não se traduza em um exílio definitivo, mas em uma oportunidade de reafirmar a importância da história compartilhada e de construir pontes que unam aqueles que, mesmo distantes, continuam a comer do mesmo pão, a beber da mesma fé. Padre Carlos Roberto – Bahia
ARTIGO – AH! FRANCISCO!
Francisco você é esquisito, não parece que é líder de uma religião. Eu rezo por você e lamento por você estar tão doente. Você é tão estranho. Respeita as religiões diferentes, parece até um tal Jesus que dialogava com a samaritana e atendeu a um pedido da Cananéia. Você acolhe os homossexuais que são tão perseguidos pela sociedade como eram os epiléticos, os aleijados do tempo de um tal Jesus. Você respeita as mulheres e até as convida para assumirem cargos importantes, parece um tal Jesus que confiou à Maria Madalena o anúncio da ressurreição. Você critica a hipocrisia dos religiosos e é tão criticado por isso, também me lembra um tal Jesus que esculhambou os negociantes do templo e não media palavras para denunciar os doutores da lei. Você enfrenta os opressores, os poderosos como fazia um tal Jesus que chamou Herodes de raposa e não permitiu que César desfigurasse a imagem e semelhança de Deus. Ah Francisco, como você é esquisito, faz parecer que Deus se fez humano e que toda teologia é uma antropologia. Você acolhe divorciados, homoafetivos, pobres, mulheres, o humano como ele é tal qual fazia um tal Jesus que andava com pecadoras e publicanos, curava em dia de sábado. Você não aceita a violência contra a natureza, é intolerante com os abusadores de menores, feito um nazareno que dizia deixai vir a mim as crianças porque delas é o Reino dos Deus. Francisco meu bom Francisco você é esquisito se parece com um tal Jesus de Nazaré; você é um outro Francisco, o tal de Assis. AUTORIA: Padre Enio Marcos de Oliveira. Autor de As orações dos Franciscos. Ed Vozes. Via Marcia Friggi
ARTIGO – O PAPA DO FIM DO MUNDO
Ao ser empossado bispo de Roma em 19 de março de 2013, há doze anos, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio adotou o nome de Francisco para carimbar seu pontificado como favorável aos excluídos e à saúde do Planeta, e declarou: “Como vocês sabem, o dever do Conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo.” Como ressalta o professor Fernando Altemeyer Junior, a preocupação de Francisco é “o cuidado pastoral dos empobrecidos e o rompimento claro do clericalismo que fez da Igreja uma instituição autocentrada e distante do evangelho de Jesus.” Francisco puniu com severidade bispos e padres pedófilos, acolheu as vítimas, enfrentou a ultradireita católica dos EUA e da África e, em 2019, excluiu do cardinalato e do sacerdócio o estadunidense Teodore McCarrick, ex-arcebispo de Washington, por prática de pedofilia e, em 2023, o Tribunal Penal do Vaticano condenou a cinco anos de prisão o cardeal italiano Giovanni Angelo Becciu, de 75 anos, por peculato e fraude financeira. Francisco não esconde seu descontentamento com Trump e sua simpatia por Lula, apoia a causa palestina e, em janeiro deste ano, nomeou a religiosa Simona Brambilla prefeita do Vaticano. Democrata, já convocou seis sínodos no intuito de renovar a Igreja, inclusive pôr fim ao celibato obrigatório para o clero do Ocidente. No entanto, muitos bispos e cardeais são oriundos da safra conservadora dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI, que levantam o freio de mão enquanto o papa acelera. Francisco é o cabeça de uma comunidade que congrega 1 bilhão 390 milhões de fiéis (pouco mais de 17% da população mundial). Fez 47 viagens internacionais e visitou 60 países, mas não retornou à Argentina. Quando o papa Francisco falecer, será convocado um novo Conclave (como mostra o filme de mesmo nome dirigido por Edward Berger). Os atuais cardeais eleitores são 138, de 71 países. Os cardeais não eleitores, por terem ultrapassado 80 anos, são 114. Os cardeais nomeados por Francisco somam 79,7% do atual colégio eleitoral. São 18 eleitores na África, 18 na América do Sul (entre os quais 7 brasileiros), 20 na América do Norte e América Central, 24 na Ásia, 54 na Europa, e 4 na Oceania. Neste mês de fevereiro, a editora Fontanar/Companhia das Letras lançou a autobiografia de Francisco, “Esperança”, a primeira de um papa, redigida em parceria com Carlo Musso. Tive dois encontros pessoais com Francisco, no Vaticano, em abril de 2014, e em agosto de 2023. No primeiro, falei-lhe da importância das Comunidades Eclesiais de Base (escanteadas pelos dois papas que o precederam), e pedi-lhe manter o diálogo com a Teologia da Libertação, sempre defender os povos indígenas e reabilitar meus confrades Mestre Eckhart, que teve vários de seus escritos condenados pela Cúria Romana, e Giordano Bruno, queimado vivo como herege em uma praça de Roma, em 1600. Francisco reagiu às minhas solicitações: “Ore por isso.” Ao final, me dirigi a ele, primeiro, em latim, e logo traduzi para o espanhol: “Extra pauperes nulla salus – Fora dos pobres não há salvação.” O papa sorriu: “Estou de acordo”, disse ao se afastar. No segundo encontro, Francisco me abraçou, beijou e permitiu que fosse filmado por Roberto Mader, que prepara documentários sobre minha trajetória. Dei-lhe de presente meu livro “Jesus militante – o Evangelho e o projeto político do Reino de Deus” (Vozes) e, em espanhol, a cartilha popular, redigida por mim, e traduzida para o espanhol, do Plano de Soberania e Educação Nutricional de Cuba, que assessoro desde 2019. Expliquei-lhe que o “Jesus militante” defende a tese de que o Nazareno veio nos trazer um novo projeto político, civilizatório, que denominava Reino de Deus, em oposição ao reino de César, no qual viveu e pelo qual foi assassinado na cruz devido à ousadia de anunciar um outro reino possível que não era o de César… Insisti para que participe da COP 30, a conferência mundial do clima, a ser realizada em Belém, em novembro próximo. Ele disse que pensava nessa possibilidade. Pedi que interviesse junto a Joe Biden, que se considera católico, para suspender ou, ao menos, flexibilizar o criminoso bloqueio dos EUA a Cuba. Obama, que não é católico, havia minorado as duras medidas do bloqueio imposto desde 1962 à ilha revolucionária do Caribe. E repeti o pedido feito em nosso primeiro encontro: a reabilitação de meu confrade Giordano Bruno, cujas “heresias” estão hoje integradas à teologia e às ciências ou foram descartadas como anacrônicas. Deus conceda a ele longa vida, pois ainda há muito a reformar na Igreja e Francisco é, hoje, uma das raras lideranças a criticar a hegemonia capitalista (globocolonização), apontar as causas da degradação socioambiental e defender os refugiados vítimas da secular exploração da Europa aos países africanos, asiáticos e latino-americanos. Colunista Colaborador – Frei Betto
ARTIGO – MONOS E HUMANOS ORIGEM E ORIGINALIDADES
O que é o Homem? Ao longo dos séculos, foram-se sucedendo, numa lista quase interminável, as tentativas de resposta: animal que fala, animal político (Aristóteles); animal racional (os estóicos e a Escolástica); realidade sagrada (Séneca); um ser que pensa (Descartes); uma cana pensante (Pascal); um ser que trabalha (Marx); um animal capaz de prometer (Nietzsche); um ser que cria (Bergson); um animal que ri, um animal que chora, um animal que sepulta os mortos… Saído da gigantesca aventura cósmica com uns 13.700 milhões de anos, o Homem tem, segundo Edgar Morin, “a singularidade de ser cerebralmente sapiens-demens” (sapiente-demente), ter, portanto, com ele “ao mesmo tempo a racionalidade, o delírio, a hybris (a desmesura), a destrutividade”. O filósofo André Comte-Sponville apresentou a sua “definição”, que julga suficiente: “É um ser humano qualquer ser nascido de dois seres humanos.” Sim, é verdade. Mas será mesmo suficiente? O que dizer em relação aos primeiros homens, que, na história da evolução, não nasceram de outros humanos? De qualquer modo a pergunta continua aí, gigantesca, a pergunta das perguntas… Os grandes espíritos — Diderot, por exemplo — deram-se conta de que o que somos não pode ser encerrado numa definição. O Homem é o ser que leva consigo a questão do ser e do seu ser e que originária e constitutivamente pergunta: o que é o Homem? O que, antes de mais, une a Humanidade inteira é precisamente esta pergunta: o que é ser Homem? Se o chimpanzé, por exemplo, também sente, recorda, procura, espera, joga, comunica, aprende e inventa, o que é que nos distingue? Afinal, há muito de idêntico em nós e no chimpanzé, “no mono e no Papa”, disse ironicamente o filósofo confessadamente ateu Michel Onfray. O professor de filosofia e o chimpanzé têm necessidades naturais comuns: comer, beber, dormir. A etologia mostra que há comportamentos naturais comuns aos animais e aos humanos. Veja-se, por exemplo, as relações de violência e de agressão e compare-se inclusivamente os rituais de cortejamento sexual. Mas é interessante constatar que já na resposta às necessidades naturais há uma diferença: os homens inventaram a cozinha e a gastronomia e também o erotismo. No entanto, escreve M. Onfray, “o Homem e o animal separam-se radicalmente quando se trata de necessidades espirituais, as únicas que são próprias dos homens e das quais não se encontra nenhum vestígio — mínimo que seja — nos animais.” Há nos humanos uma série de actividades especificamente intelectuais, que os distinguem radicalmente dos monos: nestes, não encontramos filosofia nem religião nem técnica nem arte. A tentativa de compreendê-lo no quadro de um materialismo mecanicista ou do biologismo não dá conta do Homem. De facto, o animal é conduzido pelo instinto. Por isso, esfomeado, não se conterá perante a comida apropriada que lhe apareça. Face à fêmea no período do cio, não resistirá. O Homem, pelo contrário, é capaz de transcender a dinâmica biológica. Por motivos de ascese ou religiosos ou até pura e simplesmente para mostrar a si próprio que se não deixa arrastar pelo impulso, é capaz de conter-se, resistir, dizer não. Foi neste sentido que Max Scheler, um dos fundadores da Antropologia Filosófica escreveu que o Homem é “o asceta da vida”, o único animal capaz de dizer não aos impulsos instintivos. Cá está: esta é a base biológica da conduta moral, uma característica essencialmente específica humana. Uma vez que o Homem é capaz de ponderar, renunciar, abster-se, optar, dizer sim, dizer não aos impulsos, é livre e, por conseguinte, animal moral. O Homem é corpo, mas um corpo que fala e que diz “eu”. Porque fala, é capaz de debater questões, de defender pontos de vista, distinguir o bem e o mal, tomar posições sobre valores morais, políticos, religiosos, estéticos, filosóficos… Então, o enigma é este: provimos da natureza, mas contrapomo-nos a ela, somos simultaneamente da natureza, na natureza e fora dela. Monos e humanos têm a mesma origem, mas os humanos têm originalidades únicas e irredutíveis.
ARTIGO – CAMINHANDO COM DOM HELDER CAMARA EM FORTALEZA
Com Dom Aloísio Lorscheider em Fortaleza Helder Pessoa Camara nasceu em Fortaleza no domingo, 07 de fevereiro de 1907, isto é, há 118 anos. É o 11.º filho de Adelaide Rodrigues Pessoa e João Eduardo Torres Camara Filho. Helder foi batizado em 31 de março do mesmo ano na capela da Santa Casa de Fortaleza por Monsenhor José Leorne Menescal. Estudou no “Seminário Episcopal do Ceará”, conhecido como “Seminário da Prainha”, entre os anos de 1923 e 1931. Foi ordenado padre em 15 de agosto de 1931, na Catedral de Fortaleza pela imposição das mãos de Dom Manoel da Silva Gomes. Trabalhou na Diocese de Fortaleza durante cinco anos, entre 1931 e 1936: – Organização da JOC (Juventude Operária Católica) – Liga dos Professores Católicos – Professor de Religião no Liceu do Ceará – Coordenador da “Instrução Pública” (atual SEDUC) – Fundador do movimento “Legião Cearense de Trabalho” e da sindicalização “Operária Católica Feminina” reunindo lavadeiras, engomadeiras, domésticas, cozinheiras, amas e copeiras. – Membro da LEC (Liga Eleitoral Católica) – Participação na “Ação Integralista Brasileira”, sobre a qual escreveu nas suas ‘Declarações Testamentárias’, em 24 de março de 1943: “Cometi, que eu saiba, três pecados contra o espírito sacerdotal. O primeiro é que me fiz político”. – Assistente Eclesiástico da “União dos Moços Católicos”. Foi transferido para a Arquidiocese do Rio de Janeiro em 1936, onde foi sagrado bispo em 1952. Realizou obras importantes de assistência aos pobres, organizou a CNBB e foi co-fundador do CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano). Foi transferido para a Arquidiocese de Olinda e Recife em 1964. A partir de antão tornou-se a voz dos pobres, clamando por paz e justiça pelo mundo afora. Nos anos de 1970, 1971, 1972 e 1973, foi candidato ao Prêmio Nobel da Paz, que lhe foi negado por influência e insistência da Ditadura Militar no Brasil. Dom Helder foi chamado pelo Pai da Criação, como gostava de chamá-Lo, em 27 de agosto de 1999, no Recife. O processo de beatificação e Canonização de Dom Helder foi aberto em 03 de maio de 2025. Dom Helder foi um homem de relevância mundial, mesmo tendo uma atuação mais duradoura e expressiva no Rio de Janeiro e no Recife. Diante desta constatação e após ter percorrido os passos e o legado de padre Helder em Fortaleza, podemos questionar porque este filho ilustre desta cidade, de reconhecimento mundial, em processo de beatificação e canonização, recebe tão pouco atenção pela Arquidiocese de Fortaleza e também pelos demais poderes e entidades públicas cearenses? Fortaleza, 7 de fevereiro de 2025, Geraldo Frencken – Membro do “Grupo Dom Helder”
ARTIGO – IGREJA DOMÉSTICA DESAFIOS DA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO
CONCEITO Ser uma “Igreja doméstica” refere-se a uma prática em que a família ou um grupo pequeno de pessoas se reúne para adorar a Deus, estudar as Escrituras e fortalecer a fé em casa. Esse conceito remonta ao início do cristianismo, quando os primeiros seguidores de Jesus se encontravam nas casas, pois não havia templos ou locais específicos para cultos cristãos, e essas reuniões permitiam que a fé fosse praticada e vivenciada em um ambiente íntimo e comunitário. Na prática, uma Igreja doméstica busca: 1. **Cultivar a fé em ambiente familiar**: O lar se torna um espaço de devoção onde a família participa ativamente do estudo da Bíblia, da oração e do ensino dos princípios cristãos. 2. **Fortalecer a comunhão entre os membros**: Esse modelo promove uma maior conexão entre os presentes, com discussões abertas, apoio mútuo e fortalecimento espiritual. 3. **Formação espiritual contínua**: Ser uma Igreja doméstica é um convite a transformar o lar em um espaço sagrado, onde a prática da fé acontece não só nos cultos, mas no dia a dia, por meio de conversas, oração e atitudes que refletem os valores do evangelho. 4. **Evangelização e hospitalidade**: Muitas igrejas domésticas também acolhem vizinhos, amigos e pessoas que buscam um ambiente menos formal para conhecer mais sobre a fé cristã. Em resumo, a Igreja doméstica representa o compromisso de viver a fé cristã não apenas no templo, mas em casa, tornando o lar um centro de espiritualidade, comunhão e prática do evangelho. IGREJA DOMÉSTICA NOS DOCUMENTOS DA IGREJA A expressão “Igreja Doméstica” é utilizada pela Igreja Católica para descrever a família cristã como uma comunidade de fé, esperança e caridade, refletindo a vida e a missão da Igreja no lar. Diversos documentos recentes do Magistério abordam esse conceito: 1. Catecismo da Igreja Católica (1992): O Catecismo dedica uma seção à família como “Igreja Doméstica”, enfatizando seu papel na educação da fé e na oração: “A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada sobre o sacramento do matrimônio, ela é ‘a Igreja doméstica’, onde os filhos de Deus aprendem a orar ‘como Igreja’ e a perseverar na oração.” 2. Exortação Apostólica “Familiaris Consortio” (1981): O Papa João Paulo II destaca a família como uma manifestação específica da comunhão eclesial: “Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é constituída pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar ‘Igreja doméstica’.” “Também o Sínodo, retomando e desenvolvendo as linhas conciliares, apresentou a missão educativa da família cristã como um verdadeiro ministério, através do qual é transmitido e irradiado o Evangelho, ao ponto de a mesma vida da família se tornar itinerário de fé e, em certo modo, iniciação cristã e escola para seguir a Cristo. Na família consciente de tal dom, como escreveu Paulo VI, «todos os membros evangelizam e são evangelizados” (FAMILIARIS CONSORTIO, 39) Vaticano 3. Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” (2016): O Papa Francisco reforça a importância da família como “Igreja Doméstica” e seu papel na transmissão da fé: “A família é chamada a ser Igreja doméstica, santuário onde a vida é gerada e cuidada, e onde se aprende a fé e a prática das virtudes.” 4. Documentos do Sínodo dos Bispos sobre a Família (2014-2015): Nos preparativos e reflexões sinodais, a família é frequentemente referida como “Igreja Doméstica”, enfatizando sua missão evangelizadora e formativa no seio da Igreja. 5. Relatório do Sínodo dos Bispos (2023) – Intitulado ‘Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão’, destaca: “A família é o primeiro lugar onde os fiéis experimentam a comunhão e a participação na vida da Igreja.’ Ressalta a importância da formação espiritual e pastoral das famílias como protagonistas na missão evangelizadora. Esses documentos sublinham a centralidade da família na vida cristã, reconhecendo-a como o primeiro espaço onde a fé é vivida e transmitida, e onde os valores cristãos são cultivados e compartilhados. IGREJA DOMÉSTICA NA BÍBLIA A ideia de Igreja Doméstica não aparece explicitamente com essa terminologia na Bíblia, mas a base para o conceito está presente em várias passagens que mostram o papel central da família e das casas como lugares de vivência e partilha da fé. Aqui estão algumas referências bíblicas que fundamentam essa ideia: 1. Casas como locais de reunião e culto Atos 2:46 – “Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam o pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração.” As primeiras comunidades cristãs frequentemente se reuniam em casas para celebrar a fé, partilhar refeições e viver em comunhão. Atos 12:12 – “Quando isso ficou claro para ele, foi à casa de Maria, mãe de João, também chamado Marcos, onde muitas pessoas estavam reunidas e oravam.” A casa de Maria é mencionada como um lugar de oração e encontro comunitário. 2. A Igreja nas casas de fiéis Romanos 16:3-5 – “Saudai Priscila e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus (…). Saudai também a igreja que está na casa deles.” Paulo reconhece a casa de Priscila e Áquila como um local onde a comunidade cristã se reunia. 1 Coríntios 16:19 – “As igrejas da Ásia vos saúdam. Áquila e Priscila, com a igreja que está na casa deles, vos saúdam calorosamente no Senhor.” Mais uma referência a uma igreja doméstica liderada por Áquila e Priscila. Colossenses 4:15 – “Saudai os irmãos que estão em Laodiceia, bem como Ninfa e a igreja que está em sua casa.” Aqui também é mencionado que a comunidade se reunia em uma casa específica. Filemom 1:2 – “E à igreja que está em tua casa.” O apóstolo Paulo saúda a igreja que se reunia na casa de Filemom, evidenciando que as famílias eram centros de vivência comunitária da fé. 3. Famílias como transmissores da fé Josué 24:15 – “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor.” Josué declara a centralidade da fé no ambiente familiar. 2 Timóteo 1:5 – “Recordo-me da tua fé não fingida, que habitou primeiro em tua avó Loide e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita
ARTIGO – RELATIVIZAR O QUE É RELATIVO
A Igreja Católica tem sérias dificuldades para se adaptar aos tempos e isso não é novidade para ninguém. Carregando nas costas uma história de vinte séculos, essa instituição que preserva uma comunidade com uma missão, passou por realidades e tempos que sequer conseguimos imaginar. No entanto, o desafio parece aumentar nos últimos decênios, pois a velocidade com a qual as mudanças acontecem é algo que a Igreja nunca enfrentou. Em um momento em que o Papa pede uma conversão sinodal de toda a instituição e de seus mecanismos caducos, uma questão precisa ser enfrentada com seriedade e realismo: a crise nas vocações. Poucas são as igrejas particulares (dioceses) que possuem abundância de vocações. Realidades como partes da África e da Ásia ainda estão bem nutridas de vocações, mas não se pode dizer o mesmo da velha Europa, nem da América Latina. Uma parte considerável da vida religiosa parece estar entrando no ocaso de sua existência. Comunidades formadas por idosas e idosos. Imensos seminários e conventos vazios. Províncias se fundindo para que as forças que restam possam dar conta das estruturas que foram sendo construídas ao longo de seculares histórias. A vida consagrada feminina sangra ainda mais que a masculina, pois a mulher nunca teve um lugar preciso na estrutura da Igreja. O grande jardim da Igreja está em pleno inverno! Contudo, as dioceses e seus padres também começam a sentir o peso de um mundo que caminha sem olhar para trás. Dioceses europeias, outrora imensas exportadoras de missionários pelo mundo, estão com um clero envelhecido e com paróquias vacantes. O Brasil já começa a sentir a força desse mesmo processo. Em primeira pessoa falo pela diocese de onde sou oriundo. No passado chegamos a ter tantas vocações à vida presbiteral que chegamos a oferecer seminaristas para outras dioceses menores. Padres foram enviados em missão por todo o país. Bispos foram ordenados para pastorear outras dioceses. Hoje parece que a fonte começou a secar. O sul do Brasil, que considerava a si mesmo como um “celeiro vocacional” sente o inverno eclesial a nível vocacional bater à porta. Explicações? Talvez tantas. Pode-se culpar a secularização? Em partes, mas não se pode dar toda a culpa a ela. Secularização em sentido positivo é colocar as esferas civil e religiosa em seus devidos lugares, sem intromissões e interdependência. Foi graças a uma salutar secularização que os fanatismos do passado deixaram de fazer vítimas. Então, como entender esse período na vida da Igreja? Bom, a sociedade atual oferece uma série de oportunidades aos jovens que antes não existiam. O acesso à educação e a uma qualificação profissional faz com que a maioria dos jovens sequer cogitem a possibilidade de pensar na vida presbiteral. As famílias cada vez menores encaminham os filhos para destinos profissionais “brilhantes”, garantindo ao fim do ensino médio o ingresso imediato na universidade. Além de que o crescimento do fundamentalismo religioso católico afasta da religião os jovens humanamente saudáveis e com cabeças arejadas intelectualmente. É uma crise. A crise, no entanto, denuncia que existe vida, como recorda o Papa Francisco. Somente um organismo vivo pode ter febre. A questão é como curar a doença. Particularmente penso que essa crise não é ruim em si mesma. Antes, pode ser um sinal claro de Deus para que a Igreja mude. A Igreja demora a relativizar estruturas históricas defasadas. Basta pensar que os seminários, tomadas as devidas proporções, permanecem como foram pensados na sua origem, no Concílio de Trento (1545-1563). Retirar os jovens do convívio familiar e comunitário e os manter por anos dentro da estrutura de seminários, provavelmente é uma maneira de formação destinada a cair por terra. A ideia do presbítero como um profissional do sagrado, dedicado integralmente à Igreja, também pode ser algo assustador para as novas gerações. A obrigatoriedade do celibato e a impossibilidade de homens casados terem acesso à ordem presbiteral é outro sério empecilho a ser estudado. O peso administrativo e decisório que se deposita nas mãos dos padres também é parte de um passado muito mais ligado a Constantino e aos velhos feudos que ao Evangelho de Jesus. E tudo isso é relativizável! Tenho esperanças que a Igreja enfrente a crise de forma adulta, abandonando o que é caduco e se deixando conduzir pelos caminhos que o Espírito sugere. É possível que eu não veja as mudanças necessárias que trarão a primavera a esse imenso jardim. Porém, sei que elas virão, cedo ou tarde. Pe. Leonardo Lucian Dall’Osto