ENTREVISTA – “O Papa é um ‘kairós’ que ninguém esperava, um grande dom”. Entrevista com Gustavo Gutiérrez

Um dos últimos ‘gurus’ vivos aposta em Francisco, “um kairós, um grande dom”, após participar do I Encontro Ibero-Americano de Teologia, realizado na Boston College. Aos 88 anos, Gustavo Gutiérrez, o pai da Teologia da Libertação, é um vovô afetuoso que, apesar de sua fama, não se dá importância, e a quem todos veneram. Pequeno, com sua bengala sempre na mão, continua a ditar o rumo da corrente teológica que fundou e pela qual foi perseguido por 20 anos. Agora, recebe os reconhecimentos do próprio Papa Francisco e de toda a comunidade teológica mundial. Um dos últimos ‘gurus’ vivos aposta em Francisco, “um kairós, um grande dom”, após participar do I Encontro Ibero-Americano de Teologia, realizado na Boston College. A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 01-03-2017 Veja a entrevista completa no link abaixo. Fonte: Instituto Humanitas Unisinos Matéria Completa: Acesse Aqui  

Gustavo Gutiérrez: cidadão do calvário. Artigo de Ademir Guedes Azevedo

Gutiérrez situa a reflexão teológica no nível de um “ato segundo” ele está tentando dizer que não existe uma teologia que sirva de explicação para todos os contextos “A teologia nasce onde pisam os pés. E os pés de Gutiérrez pisavam no chão do calvário das inúmeras vítimas que viviam sempre às margens. Elas, contudo, tiveram um irmão mais velho que as defendia e as pôs no centro do discurso sobre Deus; estas vítimas, de certa forma, acompanharam a caminhada deste servo de Jesus que hoje fez a sua Páscoa, pois o calvário que Gutiérrez optou não tinha a última palavra, foi apenas a ponte para a sua Páscoa”, escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestre em teologia fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma. Fez a sua Páscoa o patriarca da chamada teologia da libertação: refiro-me ao ilustre discípulo de Jesus, Gustavo Gutiérrez Merino (1928-2024). Peruano, de traços indígenas, dotado de cultura refinada e marcado pelo bom-humor cultivado na sabedoria de quem aprendeu a viver enraizado no contexto e sem as fantasias que tendem a negar aquele real e dramático aspecto, inerente a condição da vida humana: o sofrimento. Neste sentido, gostaria de ler a sua vida a partir do calvário. Que lugar é este? Consiste naquilo que Gutiérrez chama de a descoberta do “mundo do outro”. Neste mundo se encontram os pobres, aqueles que não podem viver. Nascem e morrem, mas não vivem realmente, porque alguns mais fortes não deixam. Morrem antes da hora, pois são prematuramente abandonados, tornados invisíveis, nem sequer podem dormir serenos, uma vez que são atormentados pelo eterno pesadelo da desigualdade. É este pobre, portanto, que representa esta categoria de alteridade: o outro sofrido. Em outras palavras: se trata do homem crucificado de hoje. Ele vive eternamente num calvário. Pois bem, para descobrir este “mundo do outro”, Gutiérrez se fez também um pobre, falou a partir deste outro crucificado, rezou, lamentou, profetizou…enfim escreveu a sua teologia só depois de ter frequentado esta escola do calvário. Talvez um dado da sua biografia possa iluminar esta espontaneidade evangélica de viver de olhos abertos para o sofrimento alheio: na sua infância e adolescência ele experimentou na carne a doença da osteomielite, a qual lhe fez permanecer numa cadeira de rodas dos 12 aos 18 anos. Gutiérrez tornou-se cidadão do calvário desde os primórdios de sua existência. Ele foi um teólogo provocador. Desde este calvário do pobre crucificado, ele inverteu o modo de escrever a teologia. Para entender a sua originalidade, deve-se partir daquilo que ele chamava de “ato primeiro”, o qual consiste numa experiência mística vivendo inserido neste  “mundo do outro”. Aqui se adora e contempla a Deus na sua carne sofredora. Antes de escrever a teologia, é necessário primeiro experimentar o primado divino (a espiritualidade). Gutiérrez foi um daqueles bons samaritanos: ele via e se inclinava para sentir o clamor de Jesus Crucificado nos corpos crucificados suspensos nos calvários das favelas, no desemprego, na fome, na falta de terra. Então só depois, num segundo momento, ele elaborava o discurso teológico. A teologia passa a ser “ato segundo”, pois nasce da chamada práxis contemplativa e da mística do sofrimento humano. É uma teologia da kénosis: precisa descer, inclinar-se, tocar as feridas, chorar primeiro com os que choram e isso faz toda a diferença. A teologia deixa de ser um discurso dedutivo, perde a sua arrogância de querer sempre corrigir a realidade e adota a indução: sente, observa, escuta, questiona sobre as causas do sofrimento e busca as respostas a partir da própria experiência de vida do mundo do pobre. Fonte: Instituto Humanitas Unisinos Matéria Completa: Acesse Aqui

LUTO – Faleceu o pai da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez

A informação foi divulgada oficialmente pela Província Dominicana de San Juan Bautista do Peru e seus restos mortais serão sepultados na Sala Capitular do Convento de Santo Domingo, em Lima. A América Latina e sua Igreja perderam uma de suas figuras mais influentes na teologia e no compromisso evangélico: Gustavo Gutiérrez Merino, teólogo, sacerdote, dominicano e fervoroso defensor dos pobres e da Igreja dos pobres. Faleceu em Lima (Peru) nesta última terça-feira, 22-10-2024, aos 96 anos. Seu legado está marcado pela profunda marca que deixou na Igreja Católica e na vida de milhões de fiéis, especialmente daqueles que sofrem exclusão e pobreza no continente latino-americano. A informação foi divulgada oficialmente pela Província Dominicana de San Juan Bautista do Peru e seus restos mortais serão sepultados na Sala Capitular do Convento de Santo Domingo, em Lima. Embora chamado por muitos de “pai da Teologia da Libertação”, Gutiérrez foi mais do que um teólogo. Foi um pensador e um homem de ação, um profeta que compreendeu que a fé não pode ser separada da vida real das pessoas, especialmente da vida dos pobres. Nasceu em Lima, em 08-06-1928, em uma família que viveu em primeira mão as limitações de um sistema econômico e social que marginalizou muitos. Sua infância foi marcada por doenças, pois sofria de osteomielite, o que o obrigou a usar dispositivos ortopédicos para se locomover e, por fim, uma cadeira de rodas. Essa experiência o levou a uma profunda reflexão bíblica sobre o sofrimento e a desenvolver uma sensibilidade única em relação aos mais vulneráveis. Desde muito jovem, o Pe. Gutiérrez encontrou na educação uma forma de servir outras pessoas. Foi conselheiro e inspiração de estudantes e jovens, da União Nacional dos Estudantes Católicos (UNEC), e colaborador próximo de movimentos que tiveram origem na Ação Católica, como o JOC, o MOAC, JEC, MIEC, MIIC, MIJARC e outros. Neles ajudou muitas gerações a refletir sobre a presença de Deus e, a partir daí, incentivar uma práxis que transforme a realidade. Neste espaço, forjou comunidades críticas que refletiram sobre a injustiça na América Latina e a necessidade de mudanças estruturais baseadas na fé. O seu papel na UNEC foi crucial para que muitos jovens assumissem um compromisso cristão com os oprimidos no Peru. A relação de Gutiérrez com a hierarquia eclesiástica no Peru e na América Latina foi muito boa. Sempre ouvidos e apoiados por figuras latino-americanas como o cardeal Juan Carlos Landázuri (Peru), Enrique Alvear (Chile), Leonidas Proaño (Equador), Paulo Evaristo Arns e Pedro Casaldáliga (Brasil), e Óscar Arnulfo Romero, santo mártir latino-americano. Estes e muitos outros bispos endossaram as suas contribuições às Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano de Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida. No entanto, alguns bispos, como o ex-arcebispo de Lima e membro do Opus Dei, amigo do Sodalício (sociedade que produziu centenas de vítimas de abusos sexuais, de consciência e de poder), não só o criticaram, mas procuraram condená-lo, sem sucesso. Ao entrar no novo milênio, Gutiérrez ingressou na Ordem dos Pregadores e como frade dominicano fortaleceu a sua vocação, encontrando nesta comunidade um espaço de proteção e apoio que lhe permitiu continuar a sua missão com maior apoio hierárquico. Fonte: Instituto Humanitas Unisinos Matéria Completa: Acesse Aqui