ARTIGO – IMIGRAÇÃO E REFÚGIO NO BRASIL
Em 1887 a região da Bresser-Mooca, bairro de São Paulo, sediava a Hospedaria dos imigrantes, uma casa que recebia grande leva de estrangeiros que chegavam à cidade em busca de trabalho, sobretudo nas lavouras e indústrias paulistas. A hospedaria funcionou por 91 anos e hoje, no mesmo espaço, funciona o Museu da Imigração e o Arsenal da Esperança, uma casa que acolhe homens em situação de vulnerabilidade social. Um trabalho que é realizado há 28 anos. Em 2012, quando eu estava dirigindo o Caminho Novo, projeto educacional que sonhei e concretizei no Arsenal da Esperança, começaram a chegar a São Paulo centenas de haitianos. Eram sobreviventes do terremoto de 2010, que arrasou o Haiti. Um grande número deles foi acolhido no Arsenal da Esperança. Como só falavam francês, vi a impossibilidade de frequentarem as aulas com os demais alunos brasileiros. Propus então à coordenação do Arsenal a criação de uma sala especial de português para estrangeiros e assumi as aulas como professora voluntária. Logo em seguida, começaram a chegar ao Arsenal imigrantes provenientes de diversos países da África. Começava assim a minha história com aqueles homens que chegavam a um país estranho em busca de uma vida digna. Passei então a ouvir as histórias tristes de perdas, perseguições e separações, do sofrimento de quem está longe da pátria e sente-se “o hóspede indesejável, o não cidadão, o sem teto, o sem documento, aquele que veio tirar vagas de trabalho dos brasileiros. O meu contato com eles foi se intensificando, inicialmente na sala de aula. Empatia e sensibilidade foram primordiais. Entendi, através das narrativas deles, que muitos haviam passado por experiências traumáticas e desafiadoras em seus países de origem ou durante a jornada migratória. Logo percebi também que o acompanhamento dos alunos ia além da sala de aula. Saía com eles para entregar currículos, acompanhava-os nas consultas médicas e quando conseguiam um emprego, procurava visitá-los para verificar se não se tratava de trabalho escravo. Deixavam o Arsenal da Esperança assim que conseguiam um salário que lhes permitisse pagar um aluguel. Ia então visitá-los em suas casas e os recebia em nossa casa. Tornaram-se grandes amigos. Esses imigrantes estão em nosso país devido a circunstâncias dramáticas, alheias à sua vontade. Fogem da guerra, da fome, da violência, de perseguições políticas, religiosas ou étnicas. Chegam sozinhos, utilizando seus próprios recursos. No Brasil falta uma política de acolhida e integração. Organizações governamentais e não-governamentais, como a ACNUR ( Agência da ONU para Refugiados) e a Cáritas oferecem assistência inicial, incluindo abrigo, alimentação e apoio legal. Em São Paulo, centenas de imigrantes e refugiados encontraram acolhida na Missão Paz, de padres scalabrinianos e no Arsenal da Esperança, duas instituições católicas, dirigidas por italianos. A barreira linguística é uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos imigrantes. A maioria deles chega sem qualquer conhecimento da língua local, o que dificulta a integração, o acesso a serviços básicos, como saúde e educação assim como a inserção no mercado de trabalho. O desconhecimento do idioma muitas vezes limita suas oportunidades e aumenta a sensação de solidão. O futuro dos imigrantes em nosso país depende de muitos fatores, incluindo políticas de imigração, acesso à educação e emprego e o nível de aceitação da sociedade local. Aqueles que conseguem superar as barreiras iniciais podem construir uma vida estável e contribuir positivamente para a sociedade. Orientei um ex-aluno com formação acadêmica em seu país a frequentar uma escola supletiva desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Fez em seguida o exame do Enem e conseguiu uma bolsa de estudos no curso de automação industrial. Hoje está casado com uma brasileira, tem um filho de seis meses e trabalha numa das empresas mais conceituadas no ramo da automação. Entretanto, sem apoio adequado, muitos podem ficar presos num ciclo de pobreza e marginalização. Enfrentam a xenofobia, preconceito e desconfiança, lutando para encontrar estabilidade em um ambiente desconhecido. Trabalham em empregos informais, muitas vezes subvalorizados e mal remunerados. Apesar das dificuldades, a resiliência é a marca registrada desses imigrantes, na luta para construir uma nova vida. A distância da família é uma dor constante para muitos imigrantes. A saudade dos entes queridos e a preocupação com o bem-estar daqueles que ficaram, assim como a dificuldade de manter contato frequente, devido a limitações tecnológicas ou financeiras são desafios diários. Quando conseguem trabalho, enviam remessas financeiras para ajudar suas famílias. O meu relacionamento com essas pessoas que vieram de longe, deixando para trás suas raízes e tradições, trazendo sonhos, esperanças e culturas variadas fez-me constatar, ao vivo e a cores, não somente as dores do Haiti e da África, mas também a coragem desses imigrantes que aqui vieram para trabalhar e simplesmente viver.