ARTIGO – DESAFIOS ÀS FORÇAS PROGRESSISTAS EM 2025
Meu primeiro impulso foi intitular este texto de “desafios à esquerda”. Logo me dei conta de que, hoje em dia, resta pouco do que considero esquerda que se empenha na superação do sistema capitalista. Adoto “forças progressistas” porque a expressão inclui antibolsonaristas, apoiadores do atual governo Lula, os que se empenham para manter e ampliar a democracia formal, malgrado seu paradoxo de socializar a esfera política (sufrágio universal) e privatizar a econômica, excluindo a maioria da população brasileira de condições dignas de existência (moradia, saúde, educação, cultura, oportunidades de trabalho, que resulta em redução significativa do desemprego etc.). Abordo em seguida desafios que considero prioritários. A comunicação do governo Embora haja grandes feitos em apenas dois anos de governo Lula, após quatro de desmontes promovidos pelo governo Bolsonaro, poucos sabem que, em 2023, a economia brasileira cresceu 2,9% (alcançou R$ 10,9 trilhões), e em 2024, 3,5%; a renda dos trabalhadores aumentou 12% e consequentemente também o consumo das famílias; o programa Bolsa Família passou a atender 21,1 milhões de famílias (1 milhão a mais que em 2022); recuperação do salário mínimo acima da inflação (embora o ajuste fiscal tenha limitado o crescimento real a 2,5%. Em 2025 deveria ser de R$ 1.528 e passa a R$ 1.518); reestruturação do IBAMA e da FUNAI; o novo programa Pé de Meia (que beneficia 3,9 milhões de estudantes do ensino médio); a instalação de mais de 100 unidades dos Institutos Federais; o programa Mais Médicos, que atende populações mais vulneráveis, conta, atualmente, com quase 25 mil médicos contratados pelo governo federal; e o protagonismo do Brasil no cenário internacional (Brics, G20, COP30 etc.). Haveria muito mais a destacar. Apesar de tantos avanços, o governo falha na comunicação. Até agora não soube montar uma trincheira digital capaz de superar a influência da extrema-direita nas redes. Pesquisas indicam que 76% dos brasileiros se informam por redes digitais e sites de notícias. A guerra digital exige um número expressivo de profissionais dedicados à comunicação digital, com a possibilidade de formar grandes influenciadores. O fenômeno eleitoral Pablo Marçal, que não dispunha sequer de um minuto de propaganda na TV, deveria servir para alertar sobre a importância dessa ofensiva. A batalha ideológica Outro fator que julgo importante para que as forças progressistas não venham a ser derrotadas pelos neofascistas na eleição presidencial de 2026 é a batalha ideológica. Convém lembrar que o fim da ditadura militar, em 1985, não resultou de suas inerentes contradições. Pesaram sobretudo o desgaste ideológico com as frequentes denúncias de violações de direitos humanos, o testemunho de ex-presos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos, a pressão internacional pela redemocratização do Brasil, e as grandes mobilizações populares como a Passeata dos Cem Mil, as greves operárias do ABC paulista e as concentrações pelas Diretas Já! Hoje, a esquerda se encontra órfã de referências ideológicas. Elas se multiplicavam antes da queda do Muro de Berlim (1989). Países socialistas serviam de parâmetros às utopias libertárias. O estudo do marxismo e a sua aplicação nas análises da realidade vigoravam. Havia uma militância aguerrida que atuava voluntariamente nas campanhas eleitorais. A extrema-direita se sentia acuada e a polarização da esquerda se dava com a social-democracia. Isso acabou. Os tempos são outros. E sombrios. A direita se encontra em ascensão eleitoral no mundo. Sua máxima expressão, Donald Trump, ocupa o cargo mais poderoso do planeta. A direita passou a fazer intensa (des)educação política do povo, enquanto as forças progressistas deixaram Paulo Freire dormitar nas prateleiras. As forças progressistas perderam a capacidade de promover grandes mobilizações populares diante da falta de educação política do povo, da excessiva burocratização dos partidos progressistas, da perda de referências históricas e do esgarçamento do movimento sindical. Empreendedorismo O fenômeno do empreendedorismo não é novo. A novidade é ter se tornado um modismo para as classes populares. Vários fatores concorrem para isso: retrocessos e perda dos direitos trabalhistas, precarização das relações de trabalho, desarticulação das estruturas sindicais, supremacia da financeirização sobre a produção, esgarçamento das relações sociais provocado pelas redes digitais etc. O neoliberalismo, em sua era digital, mina as relações corporativas. A uberização das condições de trabalho e a síndrome dos influenciadores internáuticos, bem como a monetização das redes, criam a ilusão de que todos podem ascender socialmente sem muito esforço. Basta ousar ser patrão de si mesmo. É a nova versão do self-made man. * (“Este é um termo inglês que se refere a uma pessoa que alcançou o sucesso por meio de seus próprios esforços, habilidades e determinação, sem depender de ajuda externa). *nota do canal Outrora a elite era constituída pela nobreza. Na medida em que os títulos nobiliárquicos foram sendo substituídos pelos títulos da Bolsa de Valores, o sangue azul cedeu lugar aos milionários que alcançaram o topo da pirâmide social graças ao empreendedorismo. Há que acrescer a isso a despolitização da sociedade, agravada desde a queda do Muro de Berlim. Como falar de sociedade pós-capitalista se o socialismo real fracassou? Como incutir nas novas gerações a consciência crítica se o marxismo já não está em voga? Como ampliar o espectro social e eleitoral das forças progressistas se elas abandonaram o trabalho de base? São desafios que ainda não encontram respostas. E a falta de respostas acelera a ascensão da direita. Faz com que se repitam fatos surpreendentes, como a vitória de Lula sobre Bolsonaro, nas eleições de 2022, por apenas pouco mais de 2 milhões votos, em um universo de 156 milhões de eleitores. Ou a reeleição de Trump em 2024, vitorioso no colégio eleitoral e no voto popular. Hoje, o eleitor, desprovido de consciência de classe, de relações corporativas (como as sindicais) e imunizado pelos impactos da grande mídia graças às suas bolhas digitais, busca eleger quem lhe possa garantir um lugar ao sol na praia das oportunidades. Na falta de referências revolucionárias (Vietnã, Sierra Maestra, figuras como Mao Tsé-Tung e Fidel) ele vota pensando, primeiro, na prosperidade individual, e não coletiva. Os eleitores pobres manifestam seu inconformismo ao dar apoio aos que ostentam a bandeira
ARTIGO – AS CRYPTOTULIPAS
Entre os episódios de loucura coletiva das nações destacam-se a Tulipomania, os bitcoins e o mantra do risco fiscal Era uma vez, em 1630, um país chamado Holanda. Nas terras dos assim chamados Países Baixos ocorre um frenesi que se apodera da grande maioria da população, do mais rico ao mais pobre. A Tulipomania mobiliza corações e mentes na busca obsessiva por riqueza fácil. Em 1636, um bulbo dessa exótica planta ornamental poderia ser trocado por uma nova carruagem, dois cavalos cinzentos e um conjunto completo de arreios. A febre do cultivo e comercialização de vários tipos de bulbos alastrou-se na economia holandesa mais rápido que a velocidade da luz. Não havia Internet! A demanda por espécies raras de tulipas cresceu tanto que foram criados mercados regulares para a sua comercialização em Bolsas de Valores em Amsterdã, Roterdã e outras cidades holandesas. No livro Manias, Panics and Crashes, o economista Charles Kindleberger faz uma autópsia dos processos maníacos que, inevitavelmente, terminam no colapso de preços e nas crises de crédito. Assim foi em Amsterdã, no episódio da Tulipomania, um antepassado modesto dos grandes crashes dos séculos XX e XXI. Entre 1634 e 1637, os investidores holandeses, muitos de classe média, especularam furiosamente com a possibilidade de negociar a preços cada vez mais elevados os bulbos de tulipas, que, ademais, tinham a vantagem de exigir muito pouco ou nada para a sua reprodução. Na base das expectativas exacerbadas a respeito da evolução do preço das tulipas estava o Banco de Amsterdã e sua capacidade de estender o crédito e suportar o avanço da especulação. Na história das finanças é comum a imagem de investidores inconformados com os resultados da própria cupidez. Desde a Tulipomania de 1634, passando pelas crises cada vez mais frequentes do século XVIII (como a Bolha dos Mares do Sul, em 1720), e chegando aos desastres financeiros do século XX, o que mais impressiona o observador é a semelhança entre episódios tão diferentes. Em 1852, Charles Mackay publicou o livro Memoirs of Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds. Nas páginas de sua obra, Mackay ocupa-se das crises financeiras desencadeadas nos séculos anteriores. Entre tantas, despontam a de John Law e seu Esquema Mississippi, a Bolha dos Mares do Sul e a Tulipomania. Nesse episódio de loucura coletiva, as operações com tulipas tornaram-se tão amplas e intricadas que foi necessário criar um arcabouço legal para orientar os negociantes. Em 1637, veio o fim, o estouro, da bolha das tulipas. Subitamente, os mais prudentes e nervosos desencadearam a venda dos bulbos. Indícios indicam questionamentos que incomodaram esse grupo de tulipomaníacos. Teriam assomado às suas almas ambiciosas algumas indagações: o que é uma tulipa, além de uma planta ornamental? O que faz uma tulipa, além de ser uma planta exótica, uma flor? Charles Mackay acentua a Loucura das Massas embaladas nas esperanças da grana fácil: “Nobres, cidadãos, fazendeiros, mecânicos, marinheiros, lacaios, domésticas e até limpadores de chaminés e lavadeiras idosas enfiaram seus narizes nas tulipas. Pessoas de todas as categorias convertiam suas propriedades em dinheiro e investiam em flores. Casas e terras foram postas à venda a preços ruinosamente baixos, ou dadas em pagamento de negócios efetuados no mercado de tulipas”. A Holanda entrou em depressão econômica por vários anos. “O episódio especulativo sempre termina não com um suspiro, mas com uma explosão.” (John Kenneth Galbraith) Hoje, vivemos a euforia das criptomoedas, a cada dia da semana, dia sim, outro também, um minerador cria sua própria moeda digital, com a esperança de que alcance os pináculos do Bitcoin. Assim como em relação aos bulbos de tulipas, há que indagar: o que é um Bit? O que eu compro com um Bit? Quanto vale um Bit? Nada, além de capacidade de memória! E um algoritmo? Vale o quê? “A regra é a seguinte: as operações financeiras não se prestam à inovação… O mundo financeiro não cessa de saudar a reinvenção da roda, muitas vezes em versões progressivamente mais instáveis.” (John Kenneth Galbraith) Plataformas de negociações de crypto, ETF de crypto, contratos futuros de crypto, mineração de crypto. Formas como stablecoins apresentam-se como a ressurreição digital do velho padrão-ouro, pretendendo transformar as plataformas privadas em garantidores da estabilidade das pseudomoedas. Delenda Bancos Centrais! Os crentes proclamam: o blockchain garante a autenticidade monetária das crypto. Esquemas Ponzi, pirâmides e alavancagens proliferam nesse mundo “monetário”. Cadê a aceitação geral? Para eu comprar alguma coisa tenho de trocar minha crypto por moeda local, dólares, euros, reais. Mas os crédulos carregam em suas carteiras 1 trilhão de dólares desses bits misteriosos e milagrosos! Interessante: o patrimônio crypto é medido em dólares, uma moeda criada em 1776! As novas tulipas digitais estão aí nos corações e mentes da modernidade. “De maneira uniforme em todos os eventos especulativos está a ideia de que há algo novo no mundo.” (John Kenneth Galbraith) “Toda pessoa, enquanto indivíduo, é toleravelmente sensata e razoável, mas, como membro de uma multidão, torna-se imediatamente um idiota.” (Friedrich von Schiller) Voltamos a Charles Mackay: “Ao ler a história das nações, descobrimos que, como os indivíduos, elas têm seus caprichos e suas peculiaridades; suas temporadas de excitação e imprudência, quando não se importam com o que fazem. Descobrimos que comunidades inteiras de repente fixam suas mentes em um objeto e enlouquecem em sua busca; que milhões de pessoas ficam simultaneamente impressionados com uma ilusão e correm atrás dela, até que sua atenção seja atraída por alguma nova loucura mais cativante do que a primeira… O dinheiro, novamente, tem sido frequentemente uma causa da ilusão de multidões. Nações sóbrias de repente tornaram-se jogadoras desesperadas e arriscaram quase suas existências ao virar um pedaço de papel”. No Brasil de hoje, a Loucura Coletiva assedia os Senhores da Grana que repetem obsessivamente o mantra do Risco Fiscal. Corta, corta, corta e danem-se os prejudicados. Manda quem Pode, Obedece quem tem Prejuízo. Em CARTA CAPITAL – 13 de janeiro de 2025. As cryptotulipas – por Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back
ARTIGO – OLHAI AS ESTRELAS…
Na véspera de ano novo me afastei um pouco do grupo e fui olhar as estrelas. Há muito tempo não fazia isto. Na cidade parece não existir mais estrelas. Quase nunca olhamos para o céu. Fiquei emocionado. Eram muitas, milhares, grandes, pequenas, perto, longe. Mas, todas brilhavam, piscavam. Cada uma do seu jeito. Todas em harmonia, formando um painel brilhante. (há mais de 10 sextilhões de estrelas). Olhei para as pessoas pensando: também somos estrelas na terra. Cada um tem sua dimensão, sua identidade, sua luz própria. O sonho é vivermos em harmonia e formarmos um painel brilhante, humano. Li o trabalho realizado por uma nave espacial europeia chamada Gaia. Ela está fazendo observações sobre a nossa galáxia Via Láctea. As últimas observações foram sobre 2 bilhões de estrelas, correspondendo a 1% da Via Láctea. Haja céu pra ser olhado. (Olha pro céu, meu amor). Olhar e desejar harmonia para 8 bilhões de pessoas é uma dura tarefa. Mas o mais difícil é o viver em paz destas estrelas. Cada uma ser ela mesma. Deixarem que sua luz brilhe e seja respeitada. Que ela participe desse universo humano estrelado. Incrível é que os cem bilhões de galáxias tenham origem no círculo amoroso trinitário criativo e que o círculo amoroso humano tenha dificuldade na conexão amorosa com o círculo divino. Mas alguém mostrou o caminho, abriu a porta…Jesus de Nazaré. Colunista: Ozanir Martins Silva (Festa do Santíssimo nome de Jesus).
ARTIGO – PROFECIA E TEOLOGIA NO FEMININO PLURAL
Com estas reflexões desejo caminhar em busca das pegadas deixadas por algumas mulheres, ao longo da história do Povo de Deus. Uma história que conhecemos a partir de grandes homens do passado, patriarcas, profetas, reis, escravos, sacerdotes e seus servos…uma história que parece muito linear e cujos conflitos são facilmente resolvidos a partir dos homens, dos homens de poder e de seus interesses. Assim nos ensinaram, assim aprendemos e, muitas vezes, reproduzimos. Com o passar dos anos, aprendemos que na vida e na história nada é linear, nem fácil e que, muitas vezes, o que não se diz, o que não se quer lembrar, não se quer mostrar pode ser muito interessante, importante e necessário para compreender não só a história do mundo, dos povos, mas a nossa própria vida e história. Foi assim que nós, as mulheres, nos desafiamos a reler, pesquisar, refletir e produzir nossas reflexões, com nossos olhos, nossa cabeça, nosso coração e nosso corpo. Pessoalmente me senti desafiada a buscar justamente o que no Livro e também nas pesquisas parece nem ter existido, não aparece, não é escrito. As que mais faltam são mulheres, sobretudo mulheres empobrecidas: nos textos sagrados não tem nomes, nem ações, nem vida de mulheres, por séculos. Então senti que precisava trazê-las à luz, encontrar suas pegadas mesmo que enterradas sob séculos de opressão patriarcal e sagrada, mais pesada que camadas de areia, resgatar e revelar suas memórias que resistiram e fortaleceram a caminhada de mulheres e homens e chegaram até nós, que ainda sofremos exclusões e opressões, mas buscamos resistir, caminhar, iluminar nossas vidas e a vida de todo o povo que sempre busca uma terra boa e farta, terra de leite e mel, terra de paz. É este o caminho que proponho, acolhendo o convite de algumas mulheres do MFPC, para partilhar reflexões que nunca foram somente minhas, mas uma construção de quem me encorajou e fortaleceu no desafio que me propôs. Reflexão muitas vezes partilhada e verificada junto a mulheres camponesas, ribeirinhas, presas, estudiosas da bíblia, parceiras nos caminhos de pastoral e bíblia, por onde ando nos meus mais de 40 anos de vida missionária no Brasil, sobretudo na Amazônia. Vamos juntas, então, encontrar companheiras menos conhecidas do Povo da Bíblia, que nos enriquecem com sua reflexão que é teologia e profecia, por revelar um rosto de Deus que Jesus nos revelou e mostrou de forma definitiva, nascendo de mulher, de Maria de Nazaré, com quem conviveu até seus 30 anos, na vilazinha da periferia do império romano, longe do templo e dos palácios, onde ele só entrará, no final de sua vida, amarrado e arrastado! Colunista: Ana Maria Galazzi
ARTIGO – A REVELAÇÃO COMO FUNDAMENTO DA TEOLOGIA
A teologia fundamental “qualifica-se como fundamental por estar em condições de elaborar uma teologia da revelação a partir da própria revelação. Nisto consiste sua peculiaridade central que faz com que ela seja “teologia” e “fundamental” (p. 69, Rino Fisichella, Introdução à Teologia Fundamental, Loyola, SP, 2015). Ou seja, a revelação é o fundamento da teologia. O autor analisa a evolução do conceito de revelação. Do AT destaca o ouvir a palavra de Deus. No NT é ouvir e conviver com o próprio Deus, no Filho. Na escolástica chega ao clássico “inteligência da fé” (Santo Anselmo). Finalmente, a Dei Verbum, apresenta o Cristo como centro, a historicidade e o caráter sacramental da revelação. Em seguida aborda a teologia da revelação a partir da revelação. Destacando três princípios: 1) A revelação é o fundamento do pensar teológico; 2) A novidade é uma característica constante da revelação; 3) A historicidade de Jesus de Nazaré é princípio essencial e constitutivo para o saber da fé. (pp. 83-92, Rino). “Jesus, portanto, explica o processo da comunicação da revelação valendose da comparação do pai e filho” (JJ.97 na cit. MT 11,27; LC 10,22). “Seu Pai lhe transmitiu como um dom a revelação de si mesmo, tão plenamente, como só um pai se abre para com seu filho. Por isso, só ele, sus, é que pode abrir para os outros o verdadeiro conhecimento de Deus” (Idem,99 – Teologia do Novo Testamento, Paulus, SP, 1980). A teologia não deve se limitar a ser uma fria e objetivista “Inteligência da fé”, que se distancia dos sofrimentos humanos, como fizeram o sacerdote e o levita na parábola do Bom Samaritano, mas ser a inteligência do amor e da misericórdia preocupada com a dor das vítimas, denunciar quem provoca essa dor e tomar partido pelos empobrecidos. (Sobrino). Assim, é quase impossível realizar o seguimento de Cristo. Mas é fundamental teologicamente, porque só Ele colocou o sentido de sua vida como entrega amorosa e obediente ao Pai para salvar os filhos e irmãos pela morte na cruz. Fortaleza, 26.12. 2024. Ozanir Martins Silva (festa de Santo Estêvão – protomártir).
ARTIGO – O NATAL: A TENDA DA ESPERANÇA
“Recordai, Senhor meu Deus, vossa ternura e a vossa compaixão que são eternas! De mim lembrai-vos, porque sois misericórdia e sois bondade sem limites, ó Senhor! (Sl 24,4) Estamos nos preparando para o Natal. O terceiro domingo do advento insiste numa alegria. Começam as confraternizações, a compra de presentes, as mensagens. Pensar e celebrar o Natal nos leva a uma longa história. “No princípio existia a Palavra e a Palavra estava junto de Deus, e Deus era a Palavra…E a Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós” (JO 1,1.14). Pensar no Natal é pensar e celebrar o Deus amoroso, criativo. A primeira tenda que foi armada entre nós foi a criação, no paraíso. Foi formado o círculo amoroso humano integrado no círculo amoroso divino. Na primeira tenda estava Deus com os humanos, com a natureza, em harmonia. A tentativa de armar outra tenda não foi muito saudável. Porque fugiu do amor e Deus está, onde está o amor. O Natal é a esperança de reconstruir a tenda primitiva. É apenas o início, pois começa no seio de Maria, nasce no presépio, faz propaganda pela pregação, chega na cruz, com muitas dores, desce ao silêncio do sepulcro, e brilha no canto de vitória do ressuscitado. O fundamental desta tenda é a salvação de todos, ou, o retorno da tenda humana para a tenda divina original. A verdadeira alegria do Natal está na busca da tenda definitiva e gloriosa. Escatologia. As dificuldades surgem no círculo amoroso humano. Desde a primeira tenda, os humanos tentaram construir tendas alternativas. As tentativas, quando buscadas fora do amoroso encontraram e encontram dificuldades. Porque Deus sempre vai estar onde estar o amor. Se a base de uma tenda for o ódio, a mentira, o econômico não solidário, a dominação, o racismo, a injustiça, a guerra, a exclusão, exploração, a desumanização, dificilmente encontrará sustentação. No entanto, o Natal é recordar a possibilidade de armar e reconstruir uma tenda rumo ao infinito. Apesar dos limites humanos, Deus sempre espera paciente, oferece novas possibilidades. Para ele tudo é possível dentro do círculo amoroso divino. Vamos celebrar o Natal como uma tenda de esperança, esperante. Feliz e alegre Natal, desejamos a todos. Ozanir, Adriana, Matheus, Victor e Giovanna.
ARTIGO – MARIA, A NOVA EVA
“Se alguém tivesse o poder de criar sua mãe, como seria ela? Perfeita, não?”. Pois bem, Jesus como Deus teve esta possibilidade. Logo, Maria foi criada assim, perfeita. No entanto, ela era humana. As narrativas bíblicas não mostram esta trajetória de Maria. Os apócrifos são duvidosos. Assistindo o filme Virgem Maria (2024), alguns aspectos me chamaram a atenção. Ela é gerada na velhice de Joaquim e Ana. Pela promessa deles ela é consagrada e vai viver no templo sob a proteção de uma profetisa. Quando por obra do Espírito Santo concebe o filho, é expulsa do templo e corre o risco do apedrejamento. Por duas vezes ela é tentada pelo demônio para desistir de sua missão. O filho é perseguido por Herodes e termina sendo apresentado no templo. Curioso, Noa, que faz o papel de Maria, é uma jovem israelense de 21 anos. Por meio dela muito é recuperado. A nova Eva, mãe da humanidade, agora de Deus e da Igreja. O círculo amoroso divino se entrelaça com o círculo amoroso humano. Nos tornamos irmãos e filhos adotivos, numa nova criação. Os gestos de doação – entrega na confiança em Deus, geram possibilidades imensas para todos os humanos. Se o fundamental na vida de Cristo foi uma morte e ressurreição para a salvação de todos, Maria obediente, tornou-se a porta de entrada e a mãe que continua gerando novos filhos e filhas na vida eclesial. Maria concebida sem pecado, rogai por nós. Fortaleza, 08. 12.2024 – Ozanir Martins Silva (Festa da Imaculada conceição).
ARTIGO – TEOLOGIA FUNDAMENTAL
Outro dia, visitando uma livraria, deparei-me com um livro com o título Introdução à teologia fundamental. Esta é uma área da teologia que se preocupa com os fundamentos da revelação e da fé cristã. Este contato com a teologia fundamental não foi surpresa para mim. O mestrado que fiz na Gregoriana (Roma) foi exatamente nesta área. A surpresa veio quando olhei o autor Rino Fisichella. Este foi meu professor no curso e orientador do seminário I. Juntando outra surpresa foi o livro A misericórdia, de Jon Sobrino. Este jesuíta foi o autor que pesquisei na dissertação de mestrado. Lá foi sobre o Jesus Histórico, aqui aprofunda a opção de Jesus como o Deus da misericórdia. Quando na época escolhi estudar teologia fundamental foi porque olhando as áreas da teologia percebi que esta era uma dimensão mais aberta, enfrentando problemas relacionados à revelação, Deus e homem. O direcionamento para a cristologia deu-se em razão do orientador, o jesuíta Ignacio Gonzalez. Eu escolhera o eclesiológico pelo meu trabalho pastoral ligado às Cebs, mas ele só orientava a cristologia. Tive de mudar e foi bom. Segundo o professor Rino, a Teologia Fundamental torna-se adulta com objeto, método e função como ciência teológica. Ele analisa também a evolução desta disciplina no contexto teológico, eclesial e histórico. A centralidade dela está no seu objeto de estudo: “o evento da revelação e a fé que nela depositam os cristãos” (p. 56). De fato, o fundamento do cristianismo está na revelação de Deus a um povo ao longo da história, conforme narra a Bíblia. A preocupação da Teologia Fundamental inicialmente foi apologética, defesa da fé. Depois do concílio Vaticano II, se volta para a redescoberta da pessoa de Jesus Cristo, da igreja como ministra da palavra, a escritura e o destinatário da revelação. A Teologia Fundamental vai se preocupar, então, com a evolução do conceito de revelação e sua relação com o mundo também em evolução. Passa a ser uma teologia do diálogo, de fronteiras, de sentinela no que acontece na teologia e na história. A meu ver, tem tudo para dialogar com a pós-modernidade e o mundo dos humilhados.
ARTIGO – O POBRE DE DEUS (AO PAI FRANCISCO – 04.10.2024)
A primeira vez que visitei Canindé tive uma experiência forte. Neste período eu era assistente espiritual da Juventude Franciscana (Jufra). Tínhamos um jornalzinho chamado o Franciscano e nesta visita aproveitei para entrevistar alguns romeiros. Eles falavam com simplicidade fazendo referência a uma ação divina na vida por intermédio de São Francisco. O título que coloquei no artigo foi Meu São Francisco. Isto porque também eu considerava o santo como parte minha. Assim, naquele dia, no santuário de Assis, conversei com o meu santo. Estou aqui diante de ti. Estou só. Olho para mim e sinto ao meu redor o odor da grandeza daquele pobre. Pobre de si para ser instrumento de Deus. Lendo o livro “O pobre de Deus” de Nikos me deparei com as mais belas reflexões sobre o santo de Assis. Nunca imaginara tanta humanidade, simplicidade, pobreza. Ele mostra um santo extremamente humano até ao ponto que não se julga merecedor da ação divina. Ele se sente pobre de Deus. Assim como se não fosse digno daquela ação divina extraordinária que o marcava. www Para Leonardo Boff ser santo é ser humano. Não fomos criados para ser divino ou demoníaco, mas simplesmente humanos. Não escolhemos ser humanos, mas escolhemos a forma de ser humanos. Além daquilo que é possibilidade (poder) temos também o que é limite. Aqui nos situamos entre o humano e o divino. Nós percebemos como um referencial e ao mesmo tampo estamos diante de outro referencial, o divino. www Penso que Francisco de Assis aprendeu e viveu esta dimensão existencial. Apesar de se sentir pobre de Deus, o poder deste transfigurou o humano de Francisco. Aí foi questão de poder divino que envolve a condição humana. “Fazei-me instrumento de vossa bondade.” www Talvez eu me coloque no ponto de desafio e apelo para o que sonhei um dia: ser um franciscano. O referencial deste ser franciscano foi Francisco de Assis, com aquele odor humano e divino ao mesmo tempo. Penso que este desafio e apelo continuam diante de cada um como possibilidade (poder) possível. A lição foi dada pelo Pobre de Deus. Senhor fazei de mim um pobre de Deus.
ARTIGO – HISTÓRIA DA CULTURA – DIA DA CULTURA
a) A história da cultura se identifica com a história da raça humana. E esta é uma sequência de desdobramentos da relação do homem consigo mesmo, com o outro e com o mundo. “A raça humana é única entre todas as espécies animais, devido ao progresso realizado de então até hoje” (Ruth, 223). Isto pelo fato de o ser humano ter passado por um processo de evolução biológica que se desdobra no ser consciente e espiritual. Por isso ele foi capaz de enriquecer sempre mais seu modo de vida pela invenção e aprendizagem. A história da cultura nos revela o crescimento da capacidade humana de criar. Ela é como a base indicativa dos estágios passados pela humanidade. Ela decifra o ser humano. É a marca do humano. Revela suas características e identidade. “O elemento humano tem direito a uma só grande presunção: a ilimitada capacidade de inventar e aprender” (idem, 124). b) Assim, a cultura emerge com o aparecimento da primeira raça humana. Ela surge num ambiente natural, mas na hora que ela interfere e cria um ambiente diferente, humanizado, em que deixa a sua marca cultural. O homem é um ser de relações. Por estas relações ele vai construindo a história da cultura, ou seja, vai transformando a natureza para atender às suas necessidades. c) A relação do homem com a natureza se dá por um processo adaptativo mediante o trabalho. Para isto ele sempre está criando soluções para seus problemas. As soluções vão desde instrumentos manuais até tecnologias avançadas. O que caracteriza o trabalho material vai especificando a cultura material. Mesmo partindo de necessidades e soluções diferentes, emerge a nível de consciência global padrões unificadores e reguladores de significados consensuais da cultura. É o que caracteriza a configuração cultural. d) A relação do homem com os outros cria padrões éticos de reconhecimento e respeito. O domínio dos bens produzidos pelo trabalho em algumas situações cria relações igualitárias, noutros casos os níveis são desiguais. Com o avanço das revoluções tecnológicas, por causa do excesso de produção, começa o processo de dominação das relações sociais. Consequentemente a cultura começa a se diferenciar. e) A sustentação ideológica tende a filtrar os elementos básicos de comunicação, ou mesmo dogmatizar posições para justificar as relações do homem com os outros e com o mundo. Essa interpretação da atividade humana tende a identificar o característico de cada grupo humano. Ao mesmo tempo favorece o intercâmbio cultural a níveis de progresso. Deste modo, a dinâmica do processo cultural é entendida como positiva porque a torna exposta e acessível.