Especialista do Vaticano sobre casos de abuso sexual clerical encerrou sua missão ao Chile na quinta-feira, indo a Roma para dar um resumo ao Papa, concluindo um dos meses mais extraordinários na longa saga da Igreja Católica para chegar a um acordo com os sacerdotes que abusam de crianças e a hierarquia da Igreja que os protege.
Reportagem publicada por AP, 01-03-18
O arcebispo Charles Scicluna planeja apresentar não apenas um relatório sobre o bispo Juan Barros, que é acusado por vítimas de testemunhar situações de abuso e ter ignorado.
Scicluna também está trazendo testemunhos de vítimas chilenas de outros abusadores dentro dos
- Irmãos Maristas,
- as ordens religiosas Salesiana
- e Franciscana,
bem como a má administração das acusações, o que confirma que
- a Igreja Católica chilena tem um problema enorme nas mãos
- e até agora não soube lidar com ele muito bem.
“Nessas situações que parecem pertinentes, o D. Scicluna fornecerá o respectivo cenário à Santa Sé”, disse o porta-voz da Conferência Episcopal chilena, Jaime Coiro.
Há grandes expectativas no Chile
- de que algo tem que mudar
- e de que o problema não é apenas Barros e a decisão de Francisco de indicá-lo para o cargo de bispo de Osorno, Chile, em 2015, apesar das objeções de muitos bispos chilenos.
Barros
- havia sido um dos principais assistentes do mais notório padre abusador do Chile, o Rev. Fernando Karadima,
- mas nega acusações das vítimas de que tenha testemunhado e ignorado situações em que eram abusadas.
As vítimas dizem que o caso de Barrosé meramente emblemático
- de uma cultura na Igreja chilena de encobrimento de abusadores,
- sanções mínimas ou transferências,
- em vez de adotar a política de “um passo em falso e será excluído” dos bispos dos EUA após a eclosão de casos de abuso sexual em Boston, em 2002.
Foto: El Desconcierto
Atualmente cinco dioceses chilenas estão precisando de novos bispos, incluindo Santiago, onde o arcebispo, o cardeal Riccardo Ezzati, fez 76 anos em janeiro e deve se aposentar em breve.
Isso prepara o terreno para a possibilidade de um novo percurso no Chile, caso seja a decisão de Francisco.
“Não se trata apenas do bispo Barros. É muito maior”, disse o historiador e autor Marcial Sanchez à CNN do Chile, na quinta-feira. “Não podemos continuar varrendo a sujeira para debaixo do tapete”.
O Papa Francisco enviou Scicluna e um especialista do Vaticano sobre abusos da região, o Rev. Jordi Bertomeu, ao Chile em 30 de janeiro,
- logo após a problemática visita de Francisco ao Chile
- e ainda mais problemática coletiva de imprensa no caminho para casa.
Francisco tinha defendido Barros fortemente,
- dizia estar “certo” da inocência de Barros em relação ao encobrimento
- e reiterou que as acusações contra ele eram “calúnia”.
Francisco deu a impressão
- de que não sabia que as próprias vítimas tinham colocado Barros na cena de seu abuso
- e vinham denunciando-o por anos.

Juan Carlos Cruz chora após o Encontro com Dom Scicluna em 17/02/2018 – AP Photo/Andres Kudacki)
A Associated Press, no entanto, informou que Francisco
- tinha recebido em 2015 uma carta de Juan Carlos Cruz, uma vítima de Karadima,
- detalhando seu abuso,
- informando o fato de Barros não o reconhecer
- e questionando a aptidão de Barros para liderar uma diocese em consequência.
A decisão contrária de Francisco de enviar Scicluna, a figura mais credível da Igreja Católica na luta contra abusos, sinalizou que ele queria ir a fundo no caso de Barros, de uma vez por todas.
Mas
- a decisão de Scicluna de ouvir o depoimento de outras vítimas chilenas — possível graças à cirurgia de vesícula de emergência que o obrigou a ficar no Chile por mais uma semana —
- sinalizou que havia um problema maior em suas mãos
- e que sua missão estava se expandindo.
Cruz disse que o fato de Scicluna e Bertomeu terem decidido entrevistar vítimas que não tinham que ver com o caso de Barros “mostra que isso vai muito além de Juan Barros”.
“Acho que se o Papa não dizer nada e se concentrar apenas em Barros, não vai acabar bem, pois a Igreja chilena precisa de uma limpeza profunda”, afirmou.
Anne Barrett Doyle, do banco de dados on-line sobre casos de abuso BishopAccountability.org, já tinha ilustrado o problema que a Igreja chilena enfrentava na véspera da viagem de Francisco ao Chile e ao Peru, de 15 a 21 de janeiro.
Ela e defensores de outros sobreviventes realizaram uma conferência de imprensa em Santiago para apresentar uma pesquisa
- que apresentava quase 80 padres e irmãos credivelmente acusados noChile,
- muitos deles até mesmo superiores de ordens religiosas.
Um mês depois, Barrett Doyle disse
- que o fato de Scicluna ter chegado era “encorajador”
- e que havia inclusive expandido sua missão para ouvir o depoimento de outras vítimas.
- Mas ela disse que o tempo dirá se Francisco e o Vaticano vão agir com base nos resultados de Scicluna.
Segundo ela, o problema maior
- era a hierarquia chilena e sua abordagem à investigação de casos de abuso,
- que ela diz que permaneciam “na idade das trevas”.
“A Igreja chilena precisa de uma reforma sistêmica urgente”, disse.
Ela observou que a política contra abusos sexual da Igreja chilena de 2015 — de que o Vaticano foi mandatário em 2011 — “não contém qualquer disposição de tolerância zero, nem notificação compulsória de abusos ao clero, e rejeita a responsabilidade da Igreja de reparação às vítimas”.
Na verdade,
- as tentativas das vítimas de Karadima
- de reparar danos da Igreja através de processo judicial acusando os líderes da Igreja de encobrimento
- foram recebidos com uma campanha para tirar seu crédito.
E, ainda,
- dioceses nos Estados Unidos pagaram milhões de dólares em assentamentos e ações contra o reconhecimento do litígio.
- Dioceses na Europa e na Austrália criaram sistemas de indenizações para o pagamento de terapia de que muitas vítimas necessitaram para lidar com o trauma que a Igreja causou às vítimas.
Uma ação judicial buscando menos de 1 milhão de dólares, apresentada por Cruz e outras duas vítimas de Karadima, foi rejeitada pelos tribunais chilenos, mas está em recurso.
Scicluna e Bertolomeu retornaram a Roma apenas alguns dias depois de Francisco encerrar sua mais recente reunião periódica dos cardeais conselheiros, discutindo formas de acelerar o processamento de casos da sobrecarregada Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
Uma proposta que tem sido discutida há anos é criar tribunais regionais em todo o mundo para ouvir os casos.
Um dos principais cardeais conselheiros de Francisco, que teve três dias de encontros privados com ele esta semana, era o cardeal Francisco Javier Errazuriz, que reconheceu
- ter arquivado a investigação inicial sobre Karadima
- porque não acreditava nas vítimas.
ASSOCIATED PRESS
Fontes:
Leia mais:
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