Entrevista de João Tavares a Aglaé de Chalus, do jornal LA CROIX

João - 2017

Aglaé de Chalus      * Meu nome é Aglaé, eu sou frAssociação Rumosancesa e correspondente aqui no Brasil para o diário  nacional francês LA CROIX … Eu estou trabalhando sobre a questão dos padres casados, com a recente abertura que o Papa Francisco demostrou.

Eu li hoje o artigo muito interessante do Marcos Sergio da UOL noticias com a entrevista em particular do padre João Tavares do MFPC. Gostaria muito de entrar em contato com alguém do Movimento para conversar sobre essa questão… Atenciosamente, Aglaé. 

       *Aglaé, Gostei das perguntas. São bastantes, mas vou tentar responder a todas. Respondo diretamente, abaixo de cada pergunta. João Tavares

A ENTREVISTA:

1- Quantos ex-padres hoje casados são filiados ao MFPC? Com as famílias, representa quanta gente?

Resposta/  – Antes de mais nada, Aglaé, não gostamos da expressão ex-padres. Somos padres casados, padres que casaram. Segundo a Teologia católica, o padre, uma vez ordenado, é marcado na alma, por dentro, com o caráter sacerdotal, indelével: nunca perde essa marca. O que se pode perder é o exercício do ministério. Tanto assim que, em alguns casos, o próprio Direito Canônico nos possibilita e até induz ao exercício do poder sacerdotal.

– Mais que filiados, eu falaria de quantos seguem, mais ou menos intensamente o Movimento das Famílias dos Padres casados do Brasil – MFPC. Temos um e-grupo com cerca de 900 e-mails de padres casados. Nosso Site www.padrescasados.org é acessado por centenas todos os dias no Brasil e também fora dele.

– Nos nossos catálogos chegamos ao número de 2130 padres casados no Brasil. Mas sabemos que são muito mais, pois muitos saem e não se juntam ao nosso movimento: preferem o anonimato. Quantas pessoas representam com as famílias? Não menos de 7.000 pessoas

2- Há quanto tempo existe esse movimento e como surgiu ?

R/ Surgiu no fim da década de 70, época do grande êxodo, após o Concílio Vaticano II, quando Paulo VI começou a dar as primeiras dispensas do celibato. Com uma formação humana, intelectual e espiritual normalmente muito boa, os que iam saindo, para evitarem a solidão e a dificuldade de uma nova e não fácil inserção na vida civil, foram procurando outros colegas para, juntos, verem como poderiam partilhar  tanta coisa aprendida e vivida no seminário e no ministério e até como se organizar para dialogarem com os bispos e se ajudarem na busca de emprego, reconhecimento de estudos, vida familiar, etc.

3- Qual é hoje o processo que tem que seguir um padre que quer se casar ?

R/ Um padre que quer deixar o ministério e casar no civil pode fazê-lo diretamente, sem autorização de ninguém: é um seu direito de cidadão. Já o que quer casar também na Igreja, tem de falar com seu bispo ou superior religioso (se for de Ordem ou Congregação religiosa) que iniciarão o correlativo Processo canônico.

4- Pode explicar a “dispensa de celibato” concedida pelo Vaticano? Isso permite que padres casados exerçam?

R/ A dispensa do celibato compete ao papa ou a quem ele quiser delegar esse poder. Por enquanto, uma vez dispensado do celibato, ainda não é possível o padre continuar a exercer o ministério. Muitos que pedem a dispensa do celibato bem que gostariam de continuar a exercer o ministério sacerdotal, mas, por enquanto, ainda não é possível.

5- Poderia me contar a sua própria experiência ? Hoje, a sua vontade seria de voltar a exercer como padre da Igreja Católica ? Qual é sua profissão hoje ? Quais são suas ligações e relações com a igreja católica? O senhor ainda concelebra missas e ministra sacramentos ?

R/Vamos por partes:

5.1 – Fiquei 11 anos no ministério. Quando resolvi casar, o papa era Paulo VI. Meus superiores, em Roma, me disseram que elaborasse o Processo e o enviasse para Roma, que eles iriam fazer o acompanhamento na Cúria Romana. E que, em cerca de seis meses, viria a dispensa do celibato e das obrigações conexas ao Sacramento da Ordem. Mas aconteceu que Paulo VI morreu e assumiu João Paulo II. O papa polaco, seis meses depois, endureceu bastante as normas para a concessão da dispensa. Assim, contra os princípios do bom direito, de que lei não retroage para prejudicar, meu processo emperrou e, depois de muita luta, a dispensa chegou… 13 anos depois de pedida.

Eu já nem a esperava mais, pois me sentia bem casado. Mas gostei de receber a dispensa e realizar o casamento religioso. Foi celebrado exatamente ao contrário do que prescrevia o rescrito do Vaticano: publicamente, com a igreja cheia, com nosso coral gregoriano e com vários padres concelebrando. O Rescrito (documento vaticano de dispensa), é, ou era, pois não sei se mudou o estilo, um documento humilhante e com vontade explícita de reduzir o padre dispensado à sarjeta da igreja. Menos mal que, neste ponto, bispos e padres do Brasil são bem mais abertos que a humanamente tão pobre e tão arrogante cúria romana.

Antes quiseram que eu, mentindo, dissesse que não sabia o que fazia quando fui ordenado e que talvez os superiores se tinham enganado ao me admitirem às Ordens Maiores;  depois me disseram que eu era um bom padre e que não deveria ter saído; mais tarde, já casado no civil e com esposa e filhas, me fizeram a proposta de deixar a família e voltar ao ministério. Fiquei revoltado e chamei o Vaticano de imoral e irresponsável. Pouco tempo depois chegou a dispensa.

Se minha fé dependesse da Cúria Romana, eu já a teria perdido…

5.2 – Se me propusessem voltar a exercer o ministério, eu ia ter de pensar e colocaria algumas condições ao bispo.

5.3 – Hoje sou professor universitário aposentado, cuido para que o salário dê até ao fim do mês e me dedico à comunicação no MFPC.

5.4 – Participo normalmente da vida da paróquia, aceito, quando convidado, dar uma ou outra palestra. Minhas relações com bispos e padres são corteses e, por vezes, até cordiais. Mas tenho uma visão bastante crítica tanto da Cúria Romana, como dos bispos e padres brasileiros, de seu modo de vida e de suas opções pastorais no Brasil atual. Já tivemos um episcopado e um clero muito mais ligados à vida concreta do Povo e aos seus problemas, com muito mais cheiro de Povo.

A formação dos seminaristas é, a meu ver, bastante deficiente: intelectual, espiritual, afetiva, humana e pastoral. Dá a impressão que os bispos não sabem mais que tipo de Igreja e que tipo de padre querem, pois está muito difícil acompanhar a rapidez desta mudança de época, inclusive na Igreja. Parecem perdidos, após os “reinados” ultraconservadores  e virulentos de João Paulo II e Bento XVI, os que quiseram acabar com o Concílio Vaticano II e voltar para Trento, para uma Igreja-Poder e Pompa, voltada para si mesma. Esses dois papas foram implacáveis com muitos teólogos e com qualquer Teologia que ameaçasse nascer e crescer fora da Europa, sobretudo a Telogia da Libertação, que os dois tentaram sufocar e exterminar.

As Comunidades Eclesiais de Base, CEBs, nascidas e crescidas após as Conferências do CELAM em Medellin e Puebla, foram deixadas morrer pelos bispos brasileiros. A desculpa esfarrapada era que se inspiravam em princípios marxistas. Mas a verdade verdadeira é que houve um acordo, nesse sentido, entre João Paulo II e Reagan: o papa acabava com as CEBs e a Teologia da Libertação na América Latina e Reagan acabava com o comunismo na Rússia e no Leste europeu. O império que tem a América Latina como seu quintal, não podia suportar um forte movimento surgido das bases e apoiado pela Igreja.

Muito dinheiro veio dos USA para incentivar a Nova Evangelização, fundar rádios e TVs católicas de tipo piegas e pentecostal, com muito louvor, baldes de água benta, padres cantores, templos imensos, religião intimista, sem qualquer ligação com a denúncia das gravíssimas e crescentes injustiças a que o povo da América Latina está sujeito.

Nossos bispos, muitos dessa época, estão, na maioria, fazendo corpo mole para seguirem a nova orientação do papa Francisco que os convida insistentemente para uma Igreja-em-Saída. São, na maioria, do tempo de João Paulo II e de Bento XVI, e, portanto, foram escolhidos a dedo para outro tipo de Igreja. Se bem que há algumas poucas e honrosas exceções.

5.5. Não celebro missa nem ministro sacramentos oficialmente. Mas concelebro quando vou à missa do domingo e nos nossos Encontros nacionais e internacionais de padres casados, onde concelebramos todos juntos. Mas sei que vários nossos colegas, em vários Estados, celebram missa, casamentos, batizados, etc.

6- Quais são as reinvindicações do MFPC ? Pode explicar o “celibato opcional”? O que o MFPC acha da opção pelos “viri probati”, à qual o Papa Francisco parece aberto (Die Zeit, 9 março)? Essa opção incluiria os padres casados?

R/ 6.1 –  Uma boa parte, reivindicamos o

– nosso maior aproveitamento na Pastoral, já que temos competência comprovada para isso e já que há tanta falta de padres para celebrar a Eucaristia, sem a qual, segundo o ensinamento de Igreja, é impossível uma comunidade cristã forte e madura.

– o celibato não obrigatório, mas opcional. Pois temos a certeza bíblica e teológica que não há contradição entre Ordem e Matrimônio. E duvidamos sempre mais da afirmação de que o celibato é muito conveniente ao sacerdócio. Até poderia ser, mas só se vivido com muita autenticidade e fosse evidente fonte de alegria e realização humana dos padres. Mas parece que não é. E vem criando muita insegurança no Povo de Deus pela torrente de escândalos sexuais do alto e baixo clero em muito países.

– um diálogo aberto com a hierarquia, conforme indicado no nº 200 do Documento de Aparecida, que diz:

“Levando em consideração o número de presbíteros que abandonaram o ministério, cada Igreja local deve procurar estabelecer com eles relações de fraternidade e de mútua colaboração conforme as normas prescritas pela Igreja”.

Infelizmente, muito poucos bispos do Brasil se interessam pelos padres casados em suas dioceses. É como se para eles não existíssemos. Será que somos uma pedra no sapato deles? Ou que temem uma comparação nossa com os atuais padres deles? Mas, também aqui, há exceções, se bem que poucas. Os bispos do Maranhão, por exemplo, nos visitaram quase todos no nosso XIV Encontro Nacional, em 2002, em S. Luís. E tiveram um bom encontro com a Diretoria Nacional antes do XIV Encontro Nacional. Se bem que, como eles mesmos reconheceram, quase nenhum teve a coragem de solicitar nossa colaboração na pastoral.

6.2 – O Celibato opcional já existe e sempre existiu na totalidade das cerca de 22 Igrejas católicas (ligadas a Roma e ao Papa) de rito oriental. O candidato, antes de ser ordenado diácono, tem de escolher se quer ser padre celibatário ou padre casado. Os bispos são escolhidos só entre os que não casaram.

6.3 – Acho muito boa a opção pelos “Viri Probati”. Como não há nenhuma correlação essencial entre ordem e matrimônio, pois se trata só de uma disciplina tardia da Igreja ocidental de rito latino (um dos cerca de 22 ritos católicos), nada impede que sejam ordenados homens casados de bom nome e de séria vida cristã. Se assim se julgar necessário, independente da antiga e arraigada tradição do clero exclusivamente celibatário.

Se, como diz o último cânone do Código de Direito Canônico,  a suprema lei da Igreja é o ”bem das almas”, o bem dos cristãos, o papa Francisco, junto com os bispos da Igreja, fazem muito bem em ouvirem a voz de tantas comunidades cristãs sem Eucaristia, onde o Padre mal pode ir uma vez por ano. E ordenarem homens honestos, os “Viri Probati” (homens de boa reputação e aprovados pela comunidade, como na Igreja primitiva), que sentem o apelo de Deus para o sacerdócio.

Se bem que, a meu ver, esta é uma solução provisória, dada a muito grande falta de padres no Brasil e no mundo. Os Viri Probati não estudaram Filosofia, Teologia, Bíblia, Pastoral. Como iriam ser preparados para poderem guiar com segurança seu rebanho na fé, na moral, no engajamento missionário? Um curso intensivo de um ou dois anos será suficiente para preparar Padres para a Igreja do Século XXI?

Estão fazendo isso com os diáconos casados, mas eles ainda não disseram a que vieram. Estão sendo ordenados às dezenas, mas ninguém ainda me disse para quê. A meu ver, há o perigo de clericalizar bons leigos engajados para depois não saber o que fazer com eles. Pior, de reforçar a ideia errada de que a Igreja é do clero e que leigo é descartável e sua função é pagar dízimo, trabalhar, obedecer e ficar calado.

Talvez melhor solução seria, e acho que é isso que vai acontecer, fazer como nas Igrejas católicas orientais: aderir de vez ao regime de Celibato Opcional. O seminarista faz seu curso de Filosofia e de Teologia normalmente e, se opta pelo casamento, casa antes de ser ordenado diácono.

6.4 – Não vejo porque não aproveitar os atuais padres casados que a comunidade aceite e que estejam disponíveis. Seria muito estranho que isso não acontecesse e seria a continuação da triste e destrutiva política de João Paulo II que, em várias atitudes e documentos, nos quis reduzir a menos do que leigos.

7- Porque a questão dos padres casados é um assunto particularmente discutido no Brasil? Faltam padres?

R/ 7.1 – Hoje o assunto padres casados é bastante discutido no Brasil e também em muitos outros países. Somos cerca de 7.000 no Brasil (sobre menos de 20.000 em exercício) e cerca de 150.000 no mundo (sobre cerca de 450.000). Homens bem  preparados, muitos deles disponíveis para colaborar com a hierarquia para o bem do Povo de Deus, mas quase totalmente postos à margem, desaproveitados, quando não mesmo perseguidos e impossibilitados de assumir cargos públicos, por interferência dos bispos. Não é o caso do Brasil, mas é o caso de alguns países da Europa, como a Itália, e da América Latina, especificamente no Peru.

7.2 – Se faltam padres? Depende. Você, Aglaé é francesa. E eu também conheço a Igreja na Europa. E sabemos que o número de padres na Europa, era, até há pouco tempo, de um por paróquia, muitas vezes com menos de 2.000 habitantes e de superfície de menos de 100 km quadrados.

Quando cheguei ao Brasil, éramos dois padres para cerca de 20.000 habitantes espalhados em cerca 18.000 km quadrados, bem mais do que a superfície de muitas dioceses europeias.

Impulsionados por Medellin e Puebla, investimos então fortemente na fundação de Comunidades Eclesiais de Base – CEBs – e na formação de líderes escolhidos e escolhidas pela próprias comunidades.

Na nossa paróquia, por exemplo, nós não quisemos uma comunidade de freiras, por receio de que elas, em vez de ajudarem a suscitar e formar lideranças leigas locais, tomassem o lugar dessas lideranças.

Precisamos de reavaliar a figura e a função do padre na Igreja, pois o atual modelo, centralizador demais, não está mais dando certo e impede que os leigos assumam todas as suas responsabilidade na Igreja, conforme o cap. II (O Povo de Deus) da Lumen Gentium, documento do Vaticano II sobre a Igreja. Mas este pode ser assunto para outra entrevista. A grave falta de padres na Europa, para mim é um alerta do Espírito Santo contra

  • o pesado clericalismo da Igreja europeia
  • a obstinação em se opor sistematicamente à ordenação de homens casados
  • o não aproveitamento dos leigos na direção e nos serviços da comunidade cristã.

8- O celibato é a único motivo que afasta jovens de escolherem a vida de padre?

R/ Não, com certeza. É um dois motivos importantes, mas não o único. Seria uma longa conversa. Resumindo, indico alguns outros motivos:

  • famílias menores, com média de menos de dois filhos
  • laicização crescente;
  • hedonismo sempre maior que leva ao ateísmo prático, à não necessidade de Deus e da religião
  • visão individualista da vida: educação para a competição no mercado, não para a socialização e para a partilha dos bens. Tanto a nível individual, como a nível de nações e continentes
  • maus exemplos no clero: egoísmo, centralismo, pedofilia e, no Brasil, crescente e aberta homossexualidade nos seminários e no clero.
  • falta de valores humanos nos padres.

9- Quais são as relações do MFPC com a hierarquia católica, e particularmente com o CNBB? Suas reinvindicações estão sendo ouvidas? Existe diálogo?

R/ Em parte, já respondi acima, no nº 6.

  • Com a CNBB em Brasília, praticamente o diálogo não existe. Fizemos nosso XXI Encontro Nacional em Brasília, de 18 a 22 de janeiro de deste ano, e não apareceu ninguém da CNBB ou da arquidiocese de Brasília.
  • Com os bispos diocesanos em geral, pelo que sei, há bem pouco diálogo. Eles já têm as dificuldades deles com seu clero. Talvez não sobre tempo para nós. Mas há boas exceções, aqui e ali, lugares onde se estabelece um diálogo entre o MFPC e o bispo local. Mas são poucos. Temos a impressão que eles nos temem e que, de fato, querem distância. Foi assim que João Paulo II os ensinou, durante longos anos: a nos ignorar, a manter distância. Em Fortaleza, o cardeal Lorsheider tentou entregar uma carta dos Padres casados a João Paulo II. Ele pegou o envelope, rasgou e jogou no chão. O “santo” malcriado a quem eu não rezo.
  • Com Francisco, está melhorando. Visitou um grupo de Padres casados em Roma; respondeu pessoalmente à carta de um padre casado da Argentina; diz que estamos na sua agenda, mas que tem coisas muito urgentes na frente; manda recados para não nos dispersarmos, para ficarmos unidos.
  • Visitava e deu os últimos sacramentos ao bispo casado Dom Jeronimo Podestà, em Buenos Aires. E, de Roma, continuou a telefonar à viúva Clélia.
  • Recentemente, a um bispo argentino que conseguiu lhe entregar uma carta dos Padres casados da diocese de Chillán, Chile, Francisco disse que leu a carta e mandou um recado explícito, pelo bispo diocesano Dom Carlos Pellegrini, ao qual disse:

” Os padres – referindo-se aos padres casados e à carta –  ‘Li a carta. Diz aos padres casados que rezo por eles, que estou muito preocupado, e que ainda não chegou a hora. E te peço que fiques em contato com eles” (He leído la carta y les dices a los curas casados que rezo por ellos, que estoy muy preocupado y que todavía no ha llegado la hora y le pido a Ud. que permanezca en contacto con ellos.)

10- Dom Erwin Krautler é um dos únicos bispos a defender os “viri probati” particularmente para territórios vazios como a Amazônia. O MFPC tem contato com ele? Em 2014, o Papa Francisco pareceu aberto à discussão, depois dele ter falado desse assunto com ele. Teve continuação esse “estudo” da questão no Brasil?

R/ É verdade, Dom Erwin falou pessoalmente com Francisco sobre ordenar “Viri probati” e recebeu dele a resposta de que se os bispos pedirem ele vai aceitar. Ainda nestes dias repetiu essa ideia e disposição. Basta que as conferências episcopais lhe peçam essa autorização. Não temos contato direto com ele, mas seguimos atentamente seus passos e declarações.

Não tenho notícias do que a CNBB fez ou está fazendo com essa proposta e desafio de Francisco. A não ser o que estão dizendo e fazendo o cardeal Hummes e alguns bispos da Amazônia, como explico abaixo, no nº 12.

11- O Padre Leonardo Boff (também padre casado : faz parte do MFPC?) falou em janeiro que o Papa Francisco estaria pronto a autorizar uma “experimentação” no Brasil. Você ouviu falar disso? Confirma? Outras fontes falam que se tiver tal experimentação seria na Amazônia, confirma? Tem algumas informações a respeito disso?

R/ Não só ouvi falar disso, como postei em nosso Site: www.padrescasados.org , vários artigos sobre o assunto,  inclusive um de Leonardo Boff . Estamos em contato com Leonardo, ele me envia seus artigos, mas ele é muito ocupado e viaja muito. Faz parte do MFPC genérico, participou de alguns Encontros Nacionais, mas nunca participou da Diretoria nacional ou da local do Rio de Janeiro.

Em recente artigo, o Cardeal Marx, alemão, repetiu essa ideia de que, se e quando acontecer, vai ser em situações extremas, na Amazônia e noutras localidade remotas, muito grandes e com grave falta de padres. Mas o cardeal Kasper, confidente do papa Francisco, diz que que a necessidade de padres não é só na Amazônia, mas também na Europa. E que o fato de a Alemanha, por exemplo, ter  há um clero bem velho e só 40 seminaristas, também é uma situação extrema. A Europa inteira está a importar padres da Índia, da África e da América Latina para dar assistência a muitas paróquias, numa terra de missão ao contrário. A idade média dos padres na Europa é perigosamente alta e o número de seminaristas sempre menor.

12- Qual é o papel do Dom Claudio Hummes a respeito desse assunto? Tem outros bispos no Brasil que defendem essa causa?

R/ Sei que Dom Cláudio Hummes é muito ligado ao papa Francisco e preocupado com a falta de clero no Brasil, sobretudo na Amazônia. Foi e não sei se ainda é: Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB, portanto conhece bem a falta de padres na região. E tem dado várias entrevistas sobre o assunto, em que vem insistindo na “necessidade de um clero autóctone e mesmo indígena, além da formação de mais ministros ordenados locais, que possam construir comunidades tanto nos lugares mais isolados quanto nas periferias urbanas das cidades da Amazônia, onde existe uma forte presença evangélica”. (Cf. http://www.tierrasdeamerica.com/2016/12/21/onde-os-padres-sao-um-luxo-amazonia-tem-uma-grande-extensao-e-um-clero-exiguo-daqui-podem-iniciar-solucoes-concretas-e-corajosas/)

Outros bispos muito interessados no assunto, pelo que sei, são: Dom Esmeraldo Barreto Farias, atual bispo auxiliar de S. Luís, MA e Presidente da Comissão para a Ação Missionária da CNBB,  Dom Edson Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira e Dom Giuliano Frigeni, bispo de Parintins.

Todos os três estão muito empenhados na formação de um clero indígena, com cheiro de povo. Isso vai levar naturalmente a um clero casado “porque a cultura indígena não entende o celibato”,  como diz o bispo de São Gabriel da Cachoeira (Ibidem).

Sei destes três, mas imagino que todos os bispos da Amazônia estejam com os mesmos problemas e desejem soluções urgentes e válidas.

13- Existem padres casados reabilitados pela Igreja no Brasil? O jornalista Marcos Sergio fala do caso do padre Osmar Burille de União da Serra, cujo casamento foi cancelado (apesar de ter tido uma filha) e que portanto ainda pode exercer. Confirma esse caso? Qual foi a justificação do Vaticano para autorizar tal anulação? Existem outros casos no Brasil? Se sim, quantos?

R/ Como você, eu soube da notícia do Pe. Osmar Burille lendo o artigo de Marcos Sérgio na UOL.

Pelo que eu sei, viúvos e divorciados ou separados que nunca casaram na Igreja, podem ser ordenados. Como Pe. Burille casou na Igreja e como a Igreja ainda não admite a ordenação de homens casados, o jeito foi anular o casamento antes de ser ordenado. Se bem que eu ache muito estranho anular um casamento religioso de onde nasceram filhos, portanto “rato” e consumado. Mas não conheço os pormenores desse processo canônico. Não sei de outros casos no Brasil.

14-   O que a recente abertura do Papa Francisco, sobre o viri probati muda para o seu movimento? Ele se mostrou, por outro lado, totalmente fechado ao «celibato opcional », foi uma decepção ?

R/ Para o nosso MFPC não muda nada. Só mudaria se, com a abertura à ordenação de homens casados, Francisco e/ou os bispos, resolvessem chamar ao ministério os padres casado que o desejassem. Que é a ideia de Boff e de vários outros que estudam o assunto.

Quanto ao celibato opcional para o Rito Latino (repito: um dos mais de vinte ritos da Igreja católica e um dos poucos que ainda não aceitam o celibato opcional), o papa Francisco, com a forte oposição que tem, sobretudo na Cúria romana, tem de ir devagar. Senão alguns malucos inventam um cisma, uma separação, como aconteceu com a Fraternidade Pio X, após o Vaticano II e com os Velhos Católicos após o Vaticano I.

Nós não nos decepcionamos facilmente. Somos, em geral pessoas de mente aberta, realistas. Lutamos pela ideia do celibato opcional, porque o achamos melhor para a Igreja, para o Povo de Deus, mas também sabemos que Francisco não pode fazer tudo de uma vez. O importante é que, com ele, a barca encalhada da Igreja começou a se mexer nos rumos traçados pelo Vaticano II, para uma igreja em saída, em busca de soluções válidas para um mundo sempre mais complicado.

João Tavares

do Setor de Comunicação do MFPC e vice-presidente da Federação Latino-americana para a Renovação dos Ministérios

Respostas de 16

  1. “…crescente e aberta homossexualidade nos seminários e no clero”. É. Existem casos no Brasil de verdadeiro casamento de padres e secretários paroquiais. É uma nova realidade que a Igreja terá que encarar. E neste caso pelo menos no centro oeste desconheço padres homossexuais que tenha deixado o ministério para viver seu relacionamento. Coisas que só acontecem com héteros.

  2. Prezado Tavares, Você foi muito claro e aprovo tudo tudo quanto Vocè escreveu. Nao sei dos meus colegas aquì na Itália, pois tudo está muito fraco, velho…! Saudações e votos. Orlando- Cesèna-Italia.

  3. Meu caríssimo irmão, João Tavares, a paz!
    Li tua entrevista concedida à jornalista francesa Aglaé. Gostei imensamente da forma serena, aprofundada e sóbria pela qual abordaste as questões propostas. Creio que esse é o caminho certo para provocar um maior alcance da discussão, pois a causa é enorme, urgente e justa o bastante para ficar relegada ao “nada” diante da urgente Igreja em saída, conforme o Papa Francisco, retomando os ares do Vaticano II.
    Parabéns pelas inspiradas palavras e compromisso para com a continuidade do fervor da causa do MFPC!
    Grandioso abraço fraterno.

    Adilson F. Bispo.
    padre casado da Diocese de Santíssima Conceição do Araguaia – Pará)

  4. 16 de maio de 2017 07:14

    Caro João,
    Li atentamente sua entrevista. Excelente.
    Aparece uma vez somente a questão da Eucaristia, que para mim é central.
    Explico-me. A Instituição católica ainda precisa dizer com clareza o que lhe é mais importante: a Eucaristia ou o celibato. Pois, deixar inúmeras comunidades sem Eucaristia por causa da falta de homens celibatários, nos passa a ideia de que o sacramento da Ordem vale mais que o da Eucaristia. A meu ver, aqui está a questão central.
    Grande abraço.

    Pe. Manoel

  5. Querido amigo João Tavares.

    Gostei imensamente de sua entrevista com Aglaé. Tudo está sendo colocado com muita ponderação e aborda os problemas de uma Igreja missionária e samaritana que exige uma revisão do conteúdo teológico na formação dos futuros padres. De fato, como está sendo apresentado na entrevista, os nossos candidatos ao presbiterado nem sempre têm um bom conteúdo e acompanhamento da formação pastoral, como também no apresentação do Deus Vivo e Ressuscitado e da Cristologia e Espiritualidade cósmica. Na luta pelo planeta Terra, a Igreja deveria ensinar essa disciplina segundo a visão de Teilhard de Chardin como a teóloga inglesa Ursula King tão bem explicou no seu livro CRISTO EM TODAS AS COISAS, Ed. Paulinas – 2002.

    Pe. Marcelo Pépin.
    Assessor espiritual da Pastoral Familiar – São Luis. Ma.

  6. 16 de maio de 2017 09:55

    Caro João Tavares.
    Muito boa entrevista. Parabéns.
    Gostei do “MFPC genérico” quando você fala da participação de Leonardo Boff em nosso movimento.

  7. 16 de maio de 2017 12:16

    Caro amigo João:
    mais uma vez, acho muito extraordinária a sua entrevista, embora não concorde com todas as suas posições; extraordinária pelo completo das suas informações, pela clareza e profundidade com que aborda temas complexos e sensíveis, pela genuinidade do seu percurso de vida.
    Parabéns! Penso que falta algo no abordar, sobretudo por parte dos jornalistas, do tema dos padres dispensados do ministério.
    Talvez não sejam muitos, na Fraternitas há-os certamente e eu sou um deles, mas existem padres que não pediram a dispensa do ministério “para casar”: eles pediram-na em rutura com as posições da sua hierarquia.
    O casar é posterior a este processo bem mais violento e doloroso.
    É importante frisar isto, para que a questão da dispensa do ministério não se reduza apenas à questão do celibato.
    Para os jornalistas o tema “padres casados” é um chamariz, mas a realidade é bem mais complexa e eu, por experiência própria, diria bem mais dramática do que isto.
    Com um grande abraço, mais um e a amizade de
    Francisco Monteiro (sócio nº 1 (…) da Fraternitas).

  8. Parabéns, João, pela bela e profunda entrevista.
    Daria um livro e bom livro.
    Sabe que para mim só existe o sacerdócio comum dos fiéis e que missa não é sacrifício. É atualizaçaão da Copiosa Redenção de Cristo.
    O presbiterato é um importante ministério e a imposição das mãos uma forma de transmitir na Igreja a missão da liderança e a graça da função.
    Assim o comando da Igreja é um serviço, assistido pelo Espírito Santo.
    Um abraço.
    FAR

  9. 16 de maio de 2017 08:07

    Caro Padre João Tavares

    Li a bela e teológica entrevista à correspondente do jornal “LA CROIX”…
    Ecoaram as palavras “esperança viva e confiança alegre”…
    Permita-me referir o livro recente do padre, filósofo, pensador e teólogo, Anselmo Borges, com o título “FRANCISCO-DESAFIOS À IGREJA E AO MUNDO”.
    Na página 144 escreve: “É contraditório afirmar que o celibato é um carisma e, depois, impô-lo como lei.Como lei, é contra o Evangelho e pode ser contra a natureza humana. O celibato obrigatório não vem de Jesus, é uma lei dos homens e, como disseram os apóstolos,” importa mais obedecer a Deus do que aos homens”. E os bispos e os papas são apenas homens.Não se pode impor como lei o que Jesus entregou à liberdade”.
    (Edição 1ª e 2ª-Abril-2017-GRADIVA)

    Felicito o Padre João Tavares e o MOVIMENTO DE PADRES CASADOS DO BRRASIL pelo bem que vão construindo, irradiando luz evangélica…
    Com muita FÉ no futuro seguindo Jesus de Nazaré… “Estarei convosco até ao fim dos tempos”…
    José Lima

    Portugal

  10. 16 de maio de 2017 10:19

    João, li sua entrevista.
    Parabéns foi muito esclarecedora. Mas entristece ver a dureza de coração do episcopado.
    O meu aqui fez duas reuniões com padre casados da diocese e depois desapareceu. Foi o ano da misericórdia de Deus, mais o Papa Francisco. Eles ficaram só.
    O Papa fechou a Porta e com certeza eles, os bispos do Brasil ficaram de fora, não sei se é com a Igreja Pop ou com os movimentos televiso que disputam espaço com os pastores poderosos. Vamos ver quem pode mais.
    Creio que nós, fomos ingênuos.
    Se caminhássemos num movimento paralelo creio que Roma buscaria acordo.Pelo que se conhece da história, seriam os romanos a nos procurarem.
    FELIZMENTE SOMOS OBEDIENTES. Vou parar senão a conversa vai ficar pesada,
    Abraços
    Alcino Camatta.

  11. 17 de maio de 2017 06:58

    Bom dia João

    Li a entrevista. Acho interessante e concordo com tudo que diz.
    Mas falta apenas uma questão que a jornalista não colocou: ordenação de mulheres.

  12. 17 de maio de 2017 08:47

    Caro João.
    Sobre a entrevista, apenas uma palavra: EXCELENTE.
    Um abraço.

  13. Hola!
    1- Estoy intentando traducir al Castellano. Vale la pena!
    2- Concuerdo con el compañero de Bélgica.
    3- ¿Tiene algún asidero HOY el recurso a la “sfragis” (Marca indeleble)?
    4- ¿No suena a “clericalismo” en un mundo de “liquidez”?
    5- El análisis del Episcopado brasilero es impactante; lo mismo diría del argentino. Entonces pienso que:
    6- una Iglesia “en salida” saldrá si la empujan “haciendo lío” (¿está en condiciones y dispuesto el MFPC(local, latinoamericano e internacional) a hacerlo?)
    7- La Jerarquía para una Iglesia “en salida” hace rato que no-tiene-mundo al cual “SALIR”; va muriendo acorralada.
    8- ¿Por qué no considerar que será “el mundo pro-fano el que SALVE a la religión de su anacronismo?
    9- ¿No suena a “fuga” poner todo en clave de “otro mundo”?

  14. Olá João,

    Li a tua entrevista à Aglaé Chalus.
    Achei que você foi muito bem nas respostas.
    Parabéns
    Um abraço
    Maria da Paz

  15. Boa tarde,João

    Estou achando que os melhores comentários de sua entrevista, são de Manoel Godoy e de José Lima com a citação do livro de Anselmo Barros. São dois pontos básico para uma avaliação do celibato opcional.

    Há outras observações interessantes nesses comentários, mas como você expressou na sua entrevista, o Papa Francisco está numa situação muito difícil, pois ele não pode tomar posições que poderia provocar uma certa divisão na hierarquia e na Igreja. Vamos esperar que o Espírito Santo está de vigia para aproveitar da primeira brecha para uma renovação mais adequada da Igreja em relação aos ministérios.

    Atenciosamente. Melhores votos a você e a Sofia. Abraço fraterno. Pe. Marcelo.

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