Entrevista de João Tavares a Marcos Sérgio, da Uol Notícias

Joao 2016Uol - Rio

26/03/2017  –  Fotos: João Tavares e Marcos Sérgio      

 Marcos Sérgio Silva, você me pediu para conversar sobre Padres que deixaram o ministério. Mas antes vou responder por escrito às suas perguntas.Depois, se quiser,  poderemos conversar nos telefones que indiquei. Ou no WhatsApp.

Em assuntos complexos como esses, sempre prefiro responder por escrito, pensando bem no que estou dizendo, pondo por escrito e revendo com cuidado, antes de enviar.                                                                        .

 

1. O posicionamento do papa Francisco a respeito de permitir o casamento de padres.

R/ Pelo que sei, de fontes oficiais e oficiosas, inclusive de nossos colegas em Buenos Aires, Francisco sabe da existência dos grupos de Padres casados que estamos organizados em grupos nacionais, Federações continentais e Confederação mundial.
E tem mandado recados: fiquem unidos, vocês estão na minha agenda,  mas ainda tenho assuntos muito grandes urgentes a tratar.
Recentemente, o papa Francisco:

* visitou em Roma um grupo de famílias de padres casados.
* respondeu pessoalmente, em carta manuscrita, a um nosso colega argentino que lhe expôs nossa problemática e nossa sensação de abandono por parte da hierarquia. Essa carta deu origem a um livro com mais uma dúzia de cartas de padres casados argentinos ao papa. Título do livro: Querido Hermano, que é como trata o autor, em sua resposta.
* falou com  Dom Erwin Krautler, então bispo de Xingu, a maior diocese da Amazônia, que se queixou da falta de padres para cuidarem das inúmeras comunidades e solicitou a autorização para ordenar homens casados. E Francisco lhe disse também que o assunto ia ser estudado e que ia depender da pressão dos bispos, convidando-os a terem ousadia em seus pedidos.

Francisco sabe bem o que está escrito no número 200 do Documento de Aparecida, pois ele foi um dos Redatores Finais:

“Levando em consideração o número de presbíteros que abandonaram o ministério, cada Igreja particular procure estabelecer com eles relações de fraternidade e mútua colaboração conforme as normas prescritas pela Igreja”.

Infelizmente poucos bispos do Brasil e do mundo se interessam pelos padres casados das suas dioceses. Salvo poucas e honrosas exceções.
Antes de permitir o casamento dos atuais padres ou o casamento dos que vão se ordenar nestes próximos anos, haveria outras possibilidades mais fáceis e imediatas:
· readmitir padres que casaram e que estivessem dispostos a voltar ao ministério.
· ordenar homens casados de boa vivência humana e cristã e bem aceitos em suas comunidades
· ordenar padres os diáconos casados

Estes assuntos têm sido tratados na imprensa e também em nosso site: www.padrescasados.org que você pode consultar.

 

2) A associação é de diáconos? Ou de padres que abandonaram o sacerdócio depois de decidirem pelo casamento?

R/ Nossa Associação Rumos – AR – é o suporte jurídico do nosso Movimento das Famílias dos Padres Casados – MFPC. Não é de diáconos, é de padres que optaram pelo casamento.
E nós não abandonamos o Sacerdócio que, segundo a Teologia católica, é um sacramento que imprime caráter, como o Batismo e o Crisma e, portanto, é para sempre, indelével.

Os que decidimos casar, não deixamos o Sacerdócio, mas sim o ministério, o exercício clerical do Sacerdócio. Não por nossa vontade, mas porque essa era a condição para podermos casar na Igreja. Infelizmente, a Igreja católica do Ocidente ainda liga ministério sacerdotal com o celibato obrigatório. Mas isso vai mudar. Não sei quando, mas vai.

Nossa luta não tem sido para acabar com o celibato, em que reconhecemos importantes valores, se for verdadeiro, vivido com autenticidade, liberdade e alegria interior que leve o padre celibatário a se realizar bem como homem e a ser honesto e feliz na sua escolha. Pois se for forçado e não for fonte de realização humana, não vai ser sinal positivo de nada.

A virgindade não tem mais valor do que o casamento. E a vocação natural do homem e da mulher é o casamento. Infelizmente a Igreja, a partir de Santo Agostinho, deixou-se contaminar pelo platonismo que diz que o corpo é um mal e que a alma é um bem, mas está aprisionada pelo corpo. Mas isto não é bíblico, nem cristão, nem da sadia tradição da Igreja.
Nossa luta tem sido e é por um celibato opcional: antes da ordenação, quem quer casa; quem não quer, vai ficar solteiro.

 

3) A regra atual afasta eventuais padres do sacerdócio?

R/ Tenho certeza que sim. O celibato pode até ser uma opção e deixar a pessoa que o escolheu mais livre para mergulhar mais intensamente na sua doação a Deus e ao próximo, a tempo inteiro. Em suas cartas, S. Paulo fala algumas vezes disso. Mas ele mesmo sabe que isso é uma exceção e, por isso, determina com clareza que os bispos (e presbíteros), sejam casados, maridos de uma só mulher, bons educadores dos filhos e bons donos de casa (1 Tim, 3, 1-7).

As muitas e tristes notícias sobre o drama vergonhoso de tanta pedofilia na Igreja, estão aí para atestar que o celibato sacerdotal, se tem algum valor, tem também, comprovadamente muitos limites e inconveniências. Sem falar da crescente onda de padres e seminaristas homossexuais pelo Brasil e pelo mundo.
Estou convencido que muitos jovens cristãos, se pudessem casar e ser padres, seguiriam essa vocação.

 

4) Há um número sobre quantos homens deixam de ser padres para se casarem?

R/ Não temos números exatos, mas calculamos que no Brasil somos cerca de 7.000.  Em nosso catálogo nacional, chegamos a inserir 2131 nomes de padres casado. Mas sabemos que o número é muito maior, pois muitos saem e preferem viver anônimos.

E no mundo, calculamos cerca de 150.000. O Vaticano admitiu recentemente, que concedeu 65.000 dispensas do celibato. Mas sabendo que muitos saem e não pedem a dispensa ao Vaticano, não é difícil chegar ao número acima.


5) O senhor é casado há quantos anos? Tem filhos?

R/ Casei em abril de 1979, há 38 anos. Temos duas filhas de 32 e 33 e uma neta de 10 anos

 

6) Quando optou pelo casamento temeu abandonar o sacerdócio?

R/ Sofri por deixar o ministério (repito: não deixei o sacerdócio, eu continuo padre, como expliquei na primeira pergunta da entrevista). Eu gostava do que fazia.

Mas a decisão de deixar o ministério e casar foi muito bem amadurecida, durante dois anos. Aceitei deixar o ministério, não porque não gostasse do sacerdócio e do meu trabalho na pastoral, como padre, mas porque o Vaticano, quando dá a dispensa para casar, obrigada o padre a deixar o ministério, não pode mais exercer.

Exceto m alguns poucos casos elencados no Código de Direito Canônico (Codex Juris Canonici, ou: CJC – em latim). Conforme diz o Cân 293: a ordenação válida nunca se torna nula, mas quem obtém a dispensa para casar, “perde o estado clerical”.  Mas, mesmo assim, pode exercitar alguns atos de poder sacerdotal, conforme os cânones 976, 986 §2 e 1335.


João Tavares

 

OBSERVAÇÕES.

Marcos Sérgio, Não sei como você vai usar estas minhas respostas. Se não forem usadas como estão, cuidado com o texto e o contexto: acontece que vários jornalistas não respeitam o pensamento do entrevistado. Por isso prefiro por escrito.
·        Gostaria de saber quando e onde sai o seu artigo e de receber uma cópia ou indicação do Site ou jornal onde é publicado.
·        Se não receber nada, me reservo o direito de publicar integralmente esta entrevista em nosso Site, no prazo de 10 dias.
·        Para isso, gostaria de receber uma foto sua, se não gostar da que colei acima.

Nota do Editor:

O artigo de Marcos Sérgio, em Notcias Uol, foi publicadohoje, Domingo, sob o título Papa é sábio ao aceitar casados, diz padre gaúcho que teve matrimônio anulado..Publicá-lo-emos amanhã à noite, na íntegra.

Respostas de 6

  1. Prezado João Tavares, como é de seu conhecimento, há nove meses minha esposa Maria Laís Mendes Costa partiu para a vida eterna a pedido do Pai. Depois de 42 anos de intenso amor e companheirismo de mansidão e humildade com nossos filhos Paulo Luís e Gisele, com a nora Jaísa e nosso netinho Bento,ela está na alegria,na paz e na luz celestiais. Quero imensamente voltar ao exercício do ministério.Conversei com a hierarquia diocesana e encontro muita burocracia e “falta de interesse”.Espero uma luz de sua liderança. Grato.

  2. Boa semana, João e Sofia!

    Muito boa sua entrevista, melhor, suas respostas!

    Abraço! P. Alcides scj

  3. João,

    Gostei. Pena que não seja divulgada em outros meios de comunicação além da Uol Notícias. Um abraço.

    João Carlos

  4. Parabéns, João, pelo pronunciamento sereno e qualificado.
    Não seria bom a associação de vocês enviar uma carta ao papa no teor de tua entrevista, com o apoio de maior número possível de bispos? Colher assinatura deles. Ou mesmo de padres exercendo o ministério. E de teólogos.
    Um abraço

    Agenor Brighenti
    ______________________
    Programa de Pós-Graduação em Teologia
    Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR

  5. 27 de março de 2017 20:52

    Caro irmão João,
    obrigado pelo envio de tua entrevista ponderada e justa.
    Na vida vamos de tranco em tranco ou de esperança em esperança.
    Em Santo Domingos fiz uma intervenção sobre a questão em pauta, afirmando:
    Na Igreja devem ser ordenadas aquelas pessoas que são eminentes na Fé e excelentes na Caridade”..
    Hoje não ordenaria ninguém com menos de 40 anos de idade. O caminho a ser percorrido não passaria por seminários obviamente.
    Hoje sou missionário na Canastra a serviço do povo canastreiro e das fontes da vida.
    A Serra da Canastra é divisor de águas para o Rio Grande e o Rio São Francisco.
    Lugar de muita beleza e de muito sofrimento, como acontece em todos os parques nacionais.
    Rezem por nós. Com votos e preces de Paz e bem, um abraço fraterno.

    + Mauro

  6. Caro Padre João Tavares

    Li com muito agrado e admiração a recente entrevista a órgão de comunicação social.
    Admiro sua segurança teológica bem como a grande honestidade na comunicação da verdade…
    A LUZ que projeta para o grande público por certo ilumina comunidades sedentas da pureza das consciências…
    “A verdade vos libertará”…Lemos e ouvimos…
    A divulgação de entrevista deveria ser ampliada para chegar às secretarias devidas… e aos corações…onde mora a FÉ VIVA.
    Sempre com esperança viva e confiança alegre no AMANHÃ que desponta com ares do ROSTO VISÍVEL DO DEUS INVISÍVEL…

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