
Stefano Caselli –11 Janeiro 2017
Fotos e imagens: Da internet
“Para Zygmunt Bauman, a ética coincide com o colocar-se à disposição do outro, também – e sobretudo – fora das estruturas sociais ‘líquidas’. Uma visão bastante otimista da pessoa como ‘eu moral’ a serviço do próximo espoliado de todas as qualificações sociais.
Eis a entrevista.
Professor Vattimo, o que Bauman representou para a nossa época?
Sem dúvida, foi um dos grandes intelectuais europeus capaz de fazer grandes sínteses. Não há muitos. Sinto-o muito próximo porque em 1972, quando estive nos EUA para ministrar os primeiros curso de Hermenêutica – que ninguém sabia do que se tratava – os únicos textos na New York Public Library que tratavam de hermenêutica e interpretação eram os de Zygmunt Bauman, um verdadeiro sociólogo-filósofo.
A sua síntese, a sociedade líquida…
Sim, ainda que, para que sejamos verdadeiros, trata-se também de um conceito líquido, um tanto quanto difícil de acolher. Imagino que a sua tentativa era explicar a pós-modernidade na ausência de uma sociedade com referências estáveis fixas,
- as profissões,
- as competências,
- as especializações.
Mas uma coisa sempre me inquietou…
O quê?
Nunca entendi se ele para apreciava esta pós-modernidade ou não, parece que nunca a avaliou.
A ausência
- de referências estáveis,
- de figuras sociais definidas,
- da divisão em classes
- e da rigidez das relações familiares típicas da modernidade – que, recordemos, era considerada por ele como a causa das ideologias totalitárias do século XX –
simplesmente é descrita como um dado de fato.
A liquidez não é um alarme, é uma leitura. Um outro elemento do seu pensamento, tem a ver com o conceito de ética.
Para Bauman, a ética coincide com o colocar-se à disposição do outro, também – e sobretudo – fora das estruturas sociais ‘líquidas’. Uma visão bastante otimista da pessoa como ‘eu moral’ a serviço do próximo espoliado de todas as qualificações sociais.
Na prática a sociedade líquida deveria ser aquela onde contam
- menos as pessoas e mais o ‘eu’,
- menos os papéis, as funções, mais o indivíduo.
Positivo? Talvez, mas eu nunca o entendi até o fundo.
para que sejamos verdadeiros, trata-se também de um conceito líquido, um tanto quanto difícil de acolher. Imagino que a sua tentativa era explicar a pós-modernidade na ausência de uma sociedade com referências estáveis fixas…
Os conceitos de liquidez e pós-modernidade podem ser incluídos no debate sobre a ‘pós-verdade’ tão em moda neste início de 2017?
Pode ser que a pós-verdade seja um conceito líquido. Eu, contudo, chamo a atenção para o problema da interpretação:
- não me escandaliza que a verdade não seja válida para sempre,
- basta que seja fundada na coincidência de interpretações.
A verdade é uma interpretação
- compartilhada,
- não indivisa,
- mas é impossível que seja definitiva e compartilhada por todos.
Sempre houve a autoridade, menos a verdade. A verdade absoluta é relacionada com o poder.
Quanto ouço dizer
- “minha senhora, não existe mais religião”
respondo
- “Não, minha senhora, não há mais poder, não podemos mais impor”.
Nos últimos tempos ele estava de acordo com o papa Francisco. No entanto, Bauman era de formação marxista. Também este é um sinal de pós-modernidade?
Só podia estar de acordo com um papa como Francisco. Digamos a verdade, Francisco é hoje o guia de uma igreja onde – ao menos nas intenções do seu pontífice –
- a verdade não é mais dogmática,
- mas é a participação caritativa de muitos.
A caridade, antes de tudo. Não é por acaso que Francisco é a única voz radicalmente a favor da acolhida dos migrantes. Um tema que para Bauman era muito importante.
Stefano Caselli
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