Carlo Pizzati – La Stampa
14/03/2016 – Tradução: Orlando Almeida
“Se houvesse um modo de encontrar o Papa Francisco, eu gostaria muito de apertar-lhe a mão e dizer-lhe: obrigado por ter declarado santa Madre Teresa! Mas lhe diria também que, para milhões de pessoas ao redor do mundo, já era uma santa. Não como cristã, mas porque era grande alma” – diz Navin Chawla (na foto), seu biógrafo. Navin Chawla conviveu com Madre Teresa de Calcutá durante 23 anos e escreveu uma biografia dela, um ‘best-seller’ traduzido em 14 países.
Foi comissário eleitoral nacional em 2009, entre manifestações e ataques políticos superados em grande estilo. Agora continua o trabalho que aprendeu com a freira de Calcutá, investindo boa parte das receitas obtidas com a biografia em leprosários e centros de atendimento a crianças surdas.
Mas continua rigorosamente hindu. E faz questão de lembrá-lo, porque aqui a polêmica sobre as conversões ao cristianismo certamente não acabou, mas ao contrário ficou mais forte.
Veja a Entrevista
Vinte anos após a morte da Prémio Nobel para a Paz nascida em Skopje, o que restou na Índia como legado de Madre Teresa?
“O legado de Madre Teresa vai além da Índia. Pertence ao mundo. É um exemplo universal. Está ao nível do nosso Swami Vivekananda, do Mahatma Gandhi, de Nelson Mandela e Desmond Tutu. É uma alma grande demais para ficar contida num único país”.
Mas a Índia é o lugar onde a Santa mostrou ao máximo a sua grandeza. Qual foi o seu impacto?
“Para dar um exemplo, ela conseguiu me transformar, a mim que continuei hindu. Ela fez de mim uma pessoa diferente. Criou uma ponte entre mim e a pobreza. Impulsionou-me a entrar em contato com os pobres em torno de mim. Deu um sentido a esta ligação com os pobres mesmo para a classe média. Não que no hinduísmo falte o sentimento compaixão. Mas ela me ensinou a levantar um leproso do chão. Com o exemplo.
O que levou Navin Chawla, um burocrata que estudou nas escolas certas, a tomar conta de 18.000 casos desesperados nos leprosários de que cuido? Madre Teresa conseguiu tocar alguma coisa em mim. E isso fez o mesmo com centenas de milhares de pessoas. E como? Dando o bom exemplo”.
Como foi recebida aqui na Índia, no início?
“Na Índia, temos muita reverência por quem reza e é humilde. Quando chegou não era uma europeia vestida como freira. Calçava chinelões, e usava um sari costurado sem apuro. O Bengala saía de uma carestia que tinha matado 4 milhões de pessoas. Os hospitais, antes da independência do Reino Unido, estavam abertos só para os britânicos e os soldados.
E o que fez ela? Aprendeu a mendigar. Tendo experimentado a humilhação mais profunda, ela se fortaleceu. Engrossou a pele. Afinal não havia sido diretora? Então, quando ela encontrava alguém pensava imediatamente: “o que pode fazer por mim?” ou seja, como pode ajudar os pobres através do meu trabalho?
Construiu um primeiro hospital e fez tanto pelos pobres que dentro de pouco tempo as pessoas se abaixavam para tocar-lhe os pés, que é um gesto de reverência, aqui na Índia, para com as figuras respeitáveis. Após a sua morte, as missões na Índia estão crescendo, as irmãs da congregação são sempre mais numerosas. Os voluntários não estão a diminuindo e nem os financiamentos”.
Mas devido à sua atitude no recebimento de fundos foi ferozmente criticada. Penso em “Posição Missionária”, de Christopher Hitchens, o livro em que ela é acusada de ter sido financiada pelo ditador haitiano Duvalier e pelo financista corrupto Keating, como se a irmã distribuísse indulgências plenárias.
“Tratemos, então destas supostas sombras. Veja, suponhamos mesmo que Madre Teresa tenha recebido doações sem identificar de quem vinham. Mesmo que assim fosse, seria uma coisa tão insignificante no oceano de Bem que aquela Santa fez. É verdade, não olhava a cara de ninguém. Se achava que você poderia ajudá-la, ela vinha até você, explicava o que fazia e esperava que você oferecesse alguma coisa. Nunca perguntava. E dizia que não lhe importava quem era a pessoa que oferecia dinheiro. Não fazia diferença: Ela só via os pobres”.
Até poucos meses atrás Madre Teresa foi acusada pelos fundamentalistas hindus da RSS* e por membros do BJP**, agora no governo, de ter convertido à força muitos pobres ao cristianismo, mesmo quando estavam doentes, moribundos, ou órfãos a serem adotados.
“Não existe uma testemunha sequer que confirme essas invenções. Ela não tinha necessidade alguma de converter. Porque, para ela, a criança pobre abandonada na rua era Jesus. O leproso era Jesus. O moribundo era Jesus. Não havia necessidade alguma de converter alguém que já era Deus. ”
Uma visão panteísta e um pouco hindu, para dizer a verdade. Mas você disse que Madre Teresa “criou uma ponte” entre você e os pobres. Você acredita que ela tenha conseguido tirar a classe média indiana daquela indiferença emocional que às vezes parece quase necessária para sobreviver neste País, perante tanta dor e miséria?
“Veja, pode ser que seja assim. Mas na minha opinião vocês são ainda menos afortunados do que nós”.
Por quê?
“Porque andei com Madre Teresa pelas vossas ruas, entre os sem-teto das cidades europeias. Passamos por muitas. E encontramos tanta solidão.
Aqui, nossos templos ainda estão cheios, ao contrário as vossas igrejas estão cada vez mais vazias. Lembro dos miseráveis que encontrámos debaixo da ponte de Waterloo em Londres, como eles pareciam tão zangados e ressentidos. Eles não queriam nenhuma compaixão, não respondiam às perguntas, eles grunhiam contra mim. Ninguém falava com ninguém. Tereis talvez uma renda ‘pro capite’ mais alta, mas também uma taxa de solidão ‘pro capite’ mais elevada. Como dizia Madre Teresa: a solidão é a lepra do Ocidente”.
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*A RSS – Rashtriya Swayamsevak Sangh (Organização Voluntária Nacional) é uma organização cultural e para-militar baseada sobre a ideologia da Hindutva: uma ideologia que exalta a Índia, a sua cultura e os seus habitantes enquanto Hindus, e não tolera a presença das minorias que não se submetem à vontade da maioria.
**BJP – Bharatiya Janata Party (Partido do Povo Indiano) é o principal partido conservador indiano, estreitamente ligado à RSS.
Fonte:web
Carlo Pizzati
http://ilsismografo.blogspot.com.br/2016/03/vaticano-siamo-felici-per-madre-teresa.html#more
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