SOCIEDADE – O necessário resgate do Eros na escola

Educação convencional aspira ao controle por meio de protocolos e cartilhas. Deixa escapar o “radar sensível”: a ativação do desejo coletivo, o futuro aberto e o saber-fazer. O mundo é instável. E o pânico da incerteza só atrofia o aprendizado

Tenho tido o privilégio de trabalhar em institutos públicos como “professor visitante” na disciplina de Filosofia há vários anos. Por que digo privilégio? Porque me parece que a escola hoje é um observatório excepcional para olhar e pensar a sociedade em que vivemos. Um microcosmo onde as tendências e os problemas que moldam o mundo compartilhado se reúnem; e onde também, talvez por razões de escala, às vezes se pode intervir, agir e tentar mudar alguma coisa.

Um dos problemas que encontro nas centros públicos onde trabalho, onipresente nas conversas e preocupações da comunidade escolar, é a questão dos protocolos. A multiplicação dos protocolos escolares, expressão de uma tendência geral à tecnificação da existência. Gostaria de falar sobre isso aqui, de abordar o geral a partir do particular, de abrir uma discussão que me parece urgente.

Os protocolos são caminhos a seguir. Protocolos são aplicados, por exemplo, para lidar com eventos imprevistos ou interrupções no bom funcionamento da escola: bullying, gangues, vícios. Como é sabido, o mal-estar entre os jovens de hoje tem intensidades e modos de expressão (automutilação, suicídio) que ultrapassaram os limiares da visibilidade e fizeram soar todos os alarmes. O número de protocolos abertos nas escolas por questões de segurança hoje é altíssimo. Mas o que se pretende ser um modo de “ativação da atenção” (observação e monitoramento) corre o risco de ser um modo de desativá-la. O que quero dizer?

Um novo fetiche

O protocolo pode ser um quadro de referência, um campo de orientações possíveis, um repertório de respostas possíveis. Cristalizar um saber sobre o passado para que seja útil para o futuro. O problema é que, em meio à pressão pelo desempenho, à precariedade e à falta de tempo, ao transbordamento cotidiano e à individualização da vida escolar, o protocolo é elevado a fetiche, impondo-se de forma obrigatória.

O que é um fetiche? Um objeto que se torna sujeito, convertendo sujeitos em objetos. A crítica do fetichismo é uma perspectiva clássica do pensamento crítico: as mercadorias se tornam fetiches no capitalismo segundo Marx, as máquinas se tornam fetiches no sistema industrial segundo Simone Weil, as imagens são fetichizadas na sociedade do espetáculo segundo Guy Debord. As coisas ganham vida própria (elas decidem, agem, comandam), enquanto os seres humanos se tornam coisas (força de trabalho, engrenagens, espectadores).

Nossa cultura tecnológica fetichiza protocolos. Ela pressupõe que tudo tem uma solução e que sempre há um jeito de alcançá-la. E qual é o problema dessa protocolização generalizada?

Em primeiro lugar, a protocolização dessingulariza o que é apresentado. O protocolo não trata de casos singulares, mas se aplica a diferentes exemplos na mesma série (assédio, etc.). Mas o que acontece na vida escolar e na vida em geral é muitas vezes da ordem dos acontecimentos. Cada mal-estar é singular, algo único que demanda uma escuta e uma resposta específica, particular, própria. O protocolo homogeneíza e torna equivalentes o que são situações distintas.

Em segundo lugar, a protocolização passiva. Apresenta um caminho a seguir, uma série de etapas, uma organização do tempo em tais fases ou sequências, bloqueando assim a capacidade de ação e criação da comunidade escolar. O que percebemos nas palavras ou no comportamento desse menino, dessa menina, dessa criança? O que vamos fazer a respeito? Em qual tempo? O protocolização impede que o problema em questão se torne uma área de pesquisa e construção autônoma.

Fonte: Site OUTRAS PALAVRAS
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