ECOTEOLOGIA PARTE 2- UNIDADE 1 – INTER-RELAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES ECOAMBIENTAIS DAS RELIGIÕES

2. RELIGIÕES DO ORIENTE E O MEIO-AMBIENTE – O MUNDO COMO ÍCONE DE DEUS

Dando continuidade à nossa reflexão, queremos sintetizar o pensamento da Espiritualidade Oriental Antiga a respeito da natureza e, assim, ver o mundo como um sacramento a ser contemplado. Seria uma ousadia chamar os Padres da Igreja primitiva oriental (não estamos falando de sacerdotes, mas de pais do pensamento primitivo) de ecologistas, pois eles não fazem uma admiração estética da natureza, mas querem mostrar outra realidade mais profunda que inspira; o mundo tem que ser o lugar de constante recordação de Deus e essa afirmação é uma categoria mística essencial. São Basílio Magno dizia que “o criado é impregnado de Beleza”, um imenso ícone da Beleza de Deus, e a natureza é sinal dessa realidade, dessa percepção profunda.

2.1. A VISÃO OTIMISTA DO MUNDO

A prece na tradição cristã antiga passa também pela contemplação da natureza, não apenas como um sentimento romântico; trata-se de fato de uma paixão. É saber ver. Diz São Basílio: “O Senhor não serve de olhos para contemplar a Beleza da sua Obra, mas nós precisamos de olhos para admirá-la. A beleza é a base da obra criadora”. Para os Padres Gregos a criação é Deus ornando o caos. O cosmo é encontro da ordem, ornamento e harmonia. Deus cria dando forma ao informe. O mundo é um resultado de alguém que olha segundo o modelo de ser, fazer, criar. O Senhor cria, cuida e conduz. Idolatria seria afastar-se de Deus, seria esquecer o mundo em sua multiplicidade, ordem e ritmo. O mundo deve ser a recordação constante desse contato com o divino. As coisas criadas são feitas para evocar isso. Elas são um intercâmbio: humano-natureza-comunhão com o Sagrado. O ser humano se torna pessoa enquanto é relação com a totalidade, e se tem relação com as coisas deve ter também uma íntima relação com Absoluto.

Essa relação humano-mundo e humano-Deus é bastante nutrida pela natureza, porque o mundo representa um espetáculo, um convite do Senhor para colocar o Humano em comunhão com Ele ao ver sua obra. Aqui está o ponto central da teologia e espiritualidade antigas no que se refere ao criado: a sacralidade do mundo, a contemplação religiosa da criação. A natureza é um livro aberto para conhecer Deus e o seu plano de Amor.

O ato criativo de Deus é contínuo, mas o ponto forte é que Deus cria encarnando-se. O Verbo se fez carne e impregnou a paisagem humana da Boa Nova. É preciso ver com alegria o Verbo em todas as coisas, pois Ele completa o plano salvífico global do Pai, por isso é preciso reconhecer e agradecer. O Verbo é o sentido eucarístico do mundo.

Na Espiritualidade Patrística a visão otimista do mundo tem uma justificação soteriológica: a matéria toda é assumida pelo Verbo para operar de um modo completo a nossa salvação: “Não cessarei de levar minha veneração à Matéria através da qual se operou a minha salvação”, escreveu São João Damasceno (MAZZUCO FILHO, 1992, p. 375).

2.2. A VISÃO SACRAMENTAL DO MUNDO

Os Padres se voltam à Bíblia para sustentar a sua visão otimista sacramental do mundo, e precisamente a Gn 1, 10: “E Deus viu que era bom”. Os exegetas da patrística interpretam esse trecho lembrando que Bom se refere à utilidade das coisas para o ser humano, enquanto o Belo exprime a alegria fecunda e emergente da própria criação. Os Padres citam frequentemente essa expressão bíblica para afirmar a bondade e a beleza do universo. A bondade e a beleza do mundo derivam da sabedoria de Deus, criador de tudo aquilo que é. Todo criado é revestido dessa realidade, afirma São Basílio: “assim como a água impregna de sua vitalidade uma planta, dando-lhe a possibilidade de revestir-se de cores” (apud MAZZUCO FILHO, 1992, p. 376). Os Padres tendem a ver o mundo como uma “teofania” de Deus, uma espécie de sacramento de sua Presença e da sua Beleza. Trata-se de uma verdadeira e própria “cosmologia sacramental”. Todo o mundo é sagrado, porque manifesta o início da encarnação dos Logos Divinos:

O Mundo é uma coisa boa e tudo nele está colocado em ordem com sabedoria e arte. Tudo, portanto, é obra do Verbo vivente e substancial, porque o Verbo é Deus. É dotado de livre vontade porque é vivente, tem o poder de fazer tudo o que escolhe para realizar, e escolhe somente o que é bom e sábio e tudo o que traz o sinal da perfeição. (apud MAZZUCO FILHO, 1992, p. 376)

O grande mestre do “Sacramentalismo cosmológico” é Orígenes. Para ele o mundo é um mistério, isto é, um sacramento. Mistério é Deus mesmo e tudo o que saiu dele através dos Logos. O mundo é feito de sinais significantes que precisam ser lidos para se chegar àquEle que significam. É preciso ter percepção do mistério. “Recordamos que tudo é pleno de mistério”, diz Orígenes, e escreve também: “Tudo o que se alcança, se alcança através do mistério”, pois somente pela graça do Espírito é que nós podemos fazer essa leitura (apud MAZZUCO FILHO, 1992, p. 376).

Máximo, o confessor, diz: “O fogo inefável e prodigioso escondido na essência das coisas como esteve na sarça ardente, é o fogo do Amor Divino e o esplendor fulgurante da sua Beleza dentro de todas as coisas”. Esse fogo Divino é revelado somente pelo Fogo do Espírito, que leva o mundo a ser contemplado como o grande ícone da Beleza de Deus (apud MAZZUCO FILHO, 1992, p. 376).

 

Fonte: Blog Frei Vitório
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