ARTIGO – JESUS EM PERSPECTIVA MUNDIAL

“Nem sempre esse caráter potencialmente universal de movimentos religiosos é percebido por seus próprios praticantes”, escreve Eduardo Hoornaert, historiador, ex-professor e membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA).

Eis o artigo.

Mesmo sendo empurrada pelas novas tecnologias, pelas viagens aéreas e pelo intenso comércio internacional, uma ampla perspectiva mundial hoje ainda não compenetrou nossos sistemas ideológicos, políticos, culturais e religiosos, como podemos constatar a cada dia.

Em 1948, no reboque do trauma causado pela II Guerra Mundial, o filósofo alemão Karl Jaspers se imaginou um esquema interpretativo que seria válido para a humanidade toda. Em determinados momentos da história haveria movimentos, em determinados pontos do planeta, de novas percepções e novas práticas. Jaspers pensou detectar uma tal ´idade axial‘, por volta do século V aC, em Israel (os profetas), Grécia (Platão), China (Confúcio), Índia (Buda) e Irã (Zaratusta). A ideia é sugestiva, pois foca uma religião mundial, sem registro nem fronteira ou nome, secularmente vivida pela grande maioria das pessoas, uma religião universal que as instituições teimam em não reconhecer, mas que corresponde a intuições como as de Isaías, Platão, Confúcio, Buda e Zaratustra.

Milhões e milhões de pessoas vivem sua religião dentro de quadros familiares, em todos os quadrantes do mundo, dentro ou fora das mais variadas institucionalizações. Em todas elas persistem atitudes semelhantes de procura de honestidade, dignidade, verdade e sabedoria. Certa feita, Leonardo Boff perguntou ao Dalai Lama: qual é a verdadeira religião? E este respondeu: a que faz de você uma pessoa melhor. Eis uma boa definição daquela ‘religião anônima’ universal. Daí decorre que não poucos textos religiosos, escritos dentro de determinados âmbitos institucionais, podem ser lidos com proveito por um amplo leque de leitores/as fora daqueles âmbitos, pois tratam de realidades vividas pela grande maioria dos que habitam este planeta: a vida em família, a luta por uma situação econômica melhor, a luta contra a fome, pela coerência, pela verdade, pela dignidade humana, pela superação de preconceitos sexuais.

Uns vinte anos atrás, eu publiquei um comentário de um texto bem antigo da tradição cristã, intitulado O Pastor de Hermas, que pode ser lido com proveito por gente das mais variadas denominações religiosas, pelo fato de não ser um texto restritivo à instituição cristã, mas abordar questões universais em torno de casamento, escravidão, liberdade, sexualidade, utopia e educação (Hermas no Topo do Mundo, Paulus, São Paulo, 2002).

Nem sempre esse caráter potencialmente universal de movimentos religiosos é percebido por seus próprios praticantes. Nas primeiras décadas do movimento de Jesus (entre os anos 30 e 50), por exemplo, os apóstolos mal percebem que, pensando bem, o universalismo pertence ao âmago da mensagem de Jesus de Nazaré. Aqui, há de se considerar que, nas palavras e nos gestos de Jesus, o universalismo entra como vislumbre, não impregna por inteiro o modo de falar e atuar. Jesus permanece fundamentalmente judeu, pensa em categorias judaicas e segue tradições judaicas. Então, é de se entender que os discípulos da primeira geração pensem que a mensagem de Jesus se restrinja ao mundo judaico e não compreendam como um não judeu possa participar do movimento.

 

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