Produtivismo neoliberal levou a Academia à miséria criativa – e burocratizou a produção de saberes. Sofrimento, que poderia ser estímulo à reinvenção da vida, é sufocado por gestão química. Poderíamos construir outra ética do cuidado?
O conceito de “saúde mental” é usado de modo amplo e abrangente, relacionado a uma ambição idealizada de vida equilibrada, significando em nossa sociedade hedonista, vida alegre e sem sofrimentos. Daí emergirem outros conceitos que lhe dão suporte e vida prática, tais como: “bem-estar emocional”; “autoconhecimento”; “autocuidado”; “autoestima”; “resiliência”; “relacionamentos saudáveis”; “produtividade e motivação no trabalho” e a busca por “prevenção” que aumente a capacidade de lidar com situações de estresse, frustração e tristeza, além de estar sempre disposto a enfrentar desafios. Ou seja, o conceito vai se mantendo em uso, a partir de mudanças em seus arrimos estruturais.
Devemos sempre relacionar os modelos de vida humana (ou modos de viver) com a chamada “saúde mental”. Se a “mente” é um conceito herdado da Grécia Clássica (500 a.c. – 300 a.c.), “doença mental” emerge no século XVIII, dando condições para o nascimento da Psiquiatria (Foucault 1961/1978), e é um termo que permanece sendo usado com muita frequência até hoje. Não é possível que, depois de 260 anos de criado, esse conceito fique, parafraseando Caetano Veloso, “impávido que nem Muhammad Ali”. Deve ser questionado, porque se fez insinuando que, nós, humanos, temos uma essência, a qual nos diferencia de todas as outras espécies vivas, e essa tal essência é nominada como “alma”, “mente”, “subjetividade” ou “psiquê”.
O incrível é ainda se sustentar que os nossos sofrimentos humanos são divididos em físicos e metafísicos, estes se referindo a uma “sofrença mental”. Assim, tanto a mente quanto seu suposto adoecimento, constituem-se como um “dado evidente”. Isso é espantoso em uma sociedade moderna sustentada na linguagem dita objetiva e que supõe decodificar a natureza por meio de aparatos tecnológicos.
A busca de certos campos do saber por biomarcadores (ou marcadores físicos), para o que se julga não físico, parece infinda. Na disputa por hegemonia biopolítica, as ciências exatas e biomédicas dedicaram-se a colonizar o território das chamadas ciências humanas e sociais. O projeto de colonização se iniciou na Renascença e teve seu auge a partir do século XIX. Como afirma Foucault, ao se reportar a Psicologia, é preciso acordar desse sono dogmático (Foucault, 1965/2002), se realmente quisermos enfrentar nossas dores, sem nos esquivarmos de suas fontes, recorrendo a drogas, sejam quais elas forem.
O psiquiatra e psicanalista húngaro Thomas Szasz, começou a criticar o uso do termo “doença mental” como um conceito em um artigo datado de 1958. O autor argumenta que se trata de uma construção teórica não uma verdade factual. Portanto, não é mais nem menos “factual” do que crenças em feitiçarias e afirmar que alguém está possuído pelo demônio (Szasz, 1979a; 1979b). O autor já apontava que alterações no cérebro ou um “defeito neurológico”, não podem ser automaticamente relacionados com um conceito efêmero como mente.
Fonte: Site Outras Palavras
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