Em Manaus, ex-padre fala sobre a alegria e os desafios de ser pai

Decisão de deixar a Igreja não foi simples, segundo ex-padre. Ele afirma que não há arrependimento, só amor à família.

 

Ex-padre e família Amazonas (Foto: Adneison Severiano G1/AM)

 

Adneison Severiano – Do G1 AM – 08/08/2012

Ao longo da vida, algumas pessoas passam por mudanças radicais no âmbito pessoal e profissional. O colombiano Antônio Henrique Fonseca Romero é um exemplo disso.

Após quase uma década atuando com padre no Amazonas, ele abandonou o sacerdócio para constituir família e ser pai.

O ex-padre contou ao G1 como foi o processo de desligamento do sacerdócio e sua ligação atual com a Igreja Católica em Manaus.

 

Romero foi ordenado missionário no país de origem, vindo para o Brasil em 1994 para atuar no município de Itacoatiara, localizado a cerca de 176 quilômetros de Manaus. Durante sete anos, ele atuou como padre em Itacoatiara. Entretanto, em 2001, a vida do padre no interior do Amazonas mudou radicalmente, quando ele conheceu a assistente social Sandra Alice Aires dos Santos, que na época trabalhava na secretaria da Paróquia de Itacoatiara.

O colombiano radicado no Amazonas há 18 anos, Antônio Henrique revelou como foi a reação dos familiares ao abandono da batina.

“Quando fui para o seminário meu pai não queria que eu fosse e minha mãe era animada com a ideia. Quando saí do sacerdócio quem ficou mais triste foi meu pai. Sempre para família é difícil essa decisão, porque havia aquela imagem do filho padre. Antes de entrar para a formação sacerdotal no seminário tinha uma motivação de constituir família. Mas também sentia minha vocação para ser missionário, que nasceu na própria família pela minha mãe, ouvindo e vendo nas suas orações os pedidos de proteção para os missionários”, disse.

Sou feliz, tenho minha esposa e minhas filhas”. Antônio Henrique Fonseca Romero (ex-padre)

Romero usou o amor para justificar a saída da vida sacerdotal.

“Conheci a Sandra e nos enamoramos. Foi aí que deixei o ministério, mudamos para Manaus e tivemos nossa primeira filha Tereza Cristina que está fazendo 12 anos e depois Adriana Rafaela, que tem 6 anos. De fato não sei se alguém está preparado para ser pai, eu não tinha essa ideia de como seria porque a formação que recebi era para viver em comunidade religiosa e não com esposa, por conta da lei celibatária. Com Tereza Cristina aprendi a ser pai, já com a segunda filha foi mais fácil, pois sabia um pouquinho. Realmente, foi complicado ter a paciência e cuidado de pai”, contou o ex-padre.

A esposa Sandra Aires dos Santos confirmou as dificuldades de Romero como pai, mas ela acredita que a formação de padre do marido influenciou no comportamento da primeira filha.

“A Tereza se tornou uma menina muito metódica e adulta, porque ela foi criada num regime de organização. Não foi uma criança comum. Hoje ela é uma menina que se destaca muito na escola por esse processo de iniciação. Já com a Adriana, ele foi mais brando e ela até pode riscar a parede, o que não acontecia com a Tereza”, descreveu a esposa.

Durante muitos anos, o ex-padre mantinha alguns hábitos e restrições de membro sacerdote. Conforme a esposa, Romero recusava participar de festas de aniversários.

“Para ele era um pouco difícil aceitar em fazer festa de aniversário ou levá-las às comemorações nas casas das colegas. Porém, aos poucos foi mudando e hoje ele participa mais dessas comemorações. Além dele mimar mais as meninas do que eu. Elas preferem ficar mais com o pai do que comigo, se eu passar uma semana fora é tranquilo, já se for o pai não é”, destacou.

 

Antônio Henrique Fonseca Romero durante sacerdócio em Itacoatiara (AM) (Foto: Arquivo Pessoal)
Antônio Henrique Fonseca Romero durante sacerdócio em Itacoatiara (AM) (Foto: Arquivo Pessoal)

Distanciamento

Ao G1 o ex-sacerdote relatou os momentos difíceis da mudança e o distanciamento dos colegas membros da igreja em virtude do desligamento.

“Foi horrível porque em Itacoatiara eu cheguei a ser vigário geral quando Dom Jorge adoeceu, então foi muito duro. Primeiro porque saímos sem nada e a minha representatividade no imaginário da população era importante em Itacoatiara. Um dia depois, em Manaus, já não era ninguém, desempregado, estrangeiro e com uma esposa grávida. Os próprios colegas e amigos quando deixamos o ministério, são sei se por vergonha, se distanciam”, declarou Romero.

Mesmo com as dificuldades, ele destacou que não se arrepende da decisão de deixar de ser padre. “Sou feliz, tenho minha esposa e minhas filhas”, afirmou Romero, que hoje atua como professor em uma universidade.

Ex-padre e ffilhas Amazonas (Foto: Adneison Severiano G1/AM)
Ex-padre disse que família é o maior bem que possui (Foto: Adneison Severiano G1/AM)

 

Ex-padres

Embora tenha se desligado do sacerdote, o ex-padre manteve a relação com a Igreja Católica.

  • Além de fiel da Igreja Santa Helena no Bairro Nova Israel, Zona Norte da capital, Romero
  • participa do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (Cebi)
  • e é professor de filosofia e teologia do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino Superior da Amazônia (Itepes).

“Estou ministrando aula de eclesiologia e mariologia para formação dos novos padres da Arquidiocese de Manaus e Regional Norte I”, informou.

Romero integra um grupo de cerca de 25 ex-padres que atualmente possuem relação conjugal e família. Segundo ele, mensalmente esse grupo se reúne para fazer orações.

“Participo desde 2002 e uma vez por mês nos encontramos para orar, fazer celebrações, é um momento de confraternização com nossas famílias. Nos intitulamos ‘padres casados’ (não: ex-padres, como insiste o autor! – NdR) e estamos pensando em promover um retiro espiritual em setembro”, disse.

O ex-padre frisou que a igreja não se recusou em acolher os sacerdotes desligados. Segundo Romero, o arcebispo de Manaus Dom Luiz tem sido um homem muito acolhedor.

“Dom Luiz abre as portas das paróquias, das comunidades e ele sempre pede para que nos apresentemos como ‘padres casados’. Nós temos nossa vida familiar como qualquer cidadão. Não somos padres escandalosos e nem homens imorais, trabalhamos e temos todas as dificuldades das demais famílias. Estamos tentando nos vincular às pastorais das paróquias. Temos saudades do ministério sacerdotal, não deixamos porque não tínhamos fé, deixamos porque nos apaixonamos”, enfatizou Antônio Romero.

Adneison Severiano

Fonte: http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/08/em-manaus-ex-padre-fala-sobre-alegria-e-os-desafios-de-ser-pai.html

 

Nota do Editor:

Apesar de não ser recente, optamos por publicar este artigo/entrevista sobre o e do colega e amigo António Enrique Romero, do grupo do Movimento das Famílias dos Padres casados – MFPC – de Manaus, Amazônia, pois que se trata de um testemunho de vida e de um depoimento sereno e positivo da não fácil e muitas vezes dolorida passagem do Ministério sacerdotal para a vida de família, busca de trabalho, etc., para o que não tínhamos sido preparados nos longos anos do seminário.

Junto com a Diretoria Nacional, estivemos em novembro de 2017 em Manaus para troca de ideias sobre a preparação do próximo Encontro Nacional, a realizar em julho de 2019, o XXII. Apreciamos muito a fraternidade reinante no grupo do MFPC de Manaus, tanto dos jovens como dos adultos, e de como eles fazem questão de se encontrar frequentemente e de, juntos, buscarem soluções para as oportunidades e os problemas que vão surgindo. 

Pelo que pudemos verificar, há um bom relacionamento do grupo com o arcebispo Dom Sérgio Eduardo Castriani e com o clero local. O grupo de WhatsApp, fundado em novembro e coordenado por Sandra, esposa de Antonio Enrique Romero, está muito concorrido e facilitou ainda mais a comunicação, a troca de ideias e de notícias. 

João Tavares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *