UM REPTO AO CELIBATO OBRIGATÓRIO !
Almir Simões, 20/12/17
Foto: Papa Francisco visita um grupo de padres casados na periferia de Roma – Oss. Rom.
Foi um acontecimento impar e marcante na minha vida e também na cidade de Ibicaraí – Bahia. Cinquenta anos se passaram ! Esta data não poderia ficar em branco. O catecismo católico ensina que o sacramento da Ordem imprime caráter indelével e o canto de entrada na igreja foi o Salmo 109 do rei Davi: “Tu es sacerdos in aeternum”.
Emocionante o ritual litúrgico e a festa preparada pelo saudoso Pe. Sinval Medeiros no templo ainda sendo reformado. A ordenação sacerdotal representou para mim a culminância de 14 anos de estudos propedêuticos, filosóficos e teológicos na busca de um sonho que se chama vocação.
E eu tive uma graça especial : estudar no período do Concilio Vaticano II e do Santo João XXIII. Isto é inesquecível e fez a diferença. Sou grato a Deus pelas oportunidades e bênçãos recebidas , pelos princípios e valores internalizados , por todos os passos dados, por todas as pessoas que foram colocadas no meu caminho … Valeu a pena !
A prostração diante do altar não significou que o jovem sacerdote morreu para o mundo nem para si mesmo, mas quanto mais terra à terra, quanto mais identificado às causas humanas , ele se consagra a Deus. O amor a Deus não exclui o amor humano … O bio–psico–social–cósmico-espiritual, numa pessoa humana, são indissociáveis e importantes para a completude do ser,
- o equilíbrio emocional,
- a vivência da oração,
- a paz do espírito.
Após os primeiros anos de atividades pastorais senti que
- não poderia ser uma pessoa diferente para exercer a minha missão
- nem transformar o meu sacerdócio num sentimento de culpa ou uma autopunição.
O meu ardor e zelo à causa do Evangelho, a força motivadora que recebia da comunidade, as orações e sacrifícios , não arrefeceram a solidão afetiva. Comecei a me autoquestionar. A vocação ao sacerdócio não é um chamamento para se viver sufocado dentro de uma instituição.
O celibato é um carisma – um dom divino extraordinário – que equivocadamente a igreja o transformou numa norma disciplinar obrigatória. E, assim, afugentou muitas vocações ao sacerdócio. Jesus asseverou : “ O meu jugo é suave e o meu fardo leve – Mt 11:28 ” e Liev Tolstoi, escreve com muita propriedade no seu livro – O Reino de Deus está em Vós – que a instituição eclesiástica com o seu moralismo , desfigurou o cristianismo primitivo e original.
- Nas primeiras comunidades cristãs,
- sem direito canônico e sem dogmas,
- vivia-se a autenticidade e a pureza do Evangelho…
O sacramento da Ordem e o sacramento do matrimônio não são incompatíveis entre si.
Foto: Ordenação de Almir Simões – Acervo pessoal
Pedro era casado e Paulo admoesta: “É melhor se casar do que se abrasar”… Deus chama … a hierarquia da igreja infelizmente afugenta … e os fieis não cessam de cantar e rezar : “Enviai Senhor operários para a vossa messe pois a messe é grande e poucos os operários”. Não seria esta oração uma blasfêmia, um insulto à divindade ?
São as contradições internas, humanas e institucionais , os penduricalhos herdados de Constantino à partir do séc. III , que ainda resistem e são responsáveis pelo grande êxodo das vocações sacerdotais.
- No Brasil, calcula-se que 8 mil padres deixaram o ministério
- e em toda a igreja, no mundo, 150 mil…
Será que todos eles não tiveram vocação ? Discute-se hoje a formação dos padres para o momento atual mas não pode se esquecer do seu estilo de vida. As normas ainda em vigor são dos Concílios de Niceia ( 325 ) e de Trento ( 1542 ).
Em 1969 D. Frei Caetano, saudosa memória, o bispo de Ilhéus que me ordenou , sensível às necessidades dos seus sacerdotes, pediu-me que fosse a Belmonte visitar o padre João Clímaco para se inteirar da sua situação de saúde e das necessidades pastorais. Imaginei que se tratasse apenas de uma prestação de serviço, no mínimo, uma caridade cristã, mas Deus vai redirecionando a nossa vida e falando através de fatos e acontecimentos. Lá fui eu.
Encontrei-me com um padre velhinho, morando sozinho, à frente daquela comunidade paroquial N. Sa. do Carmo, há quase 40 anos. Sentia muitas dores e com dificuldade vestia a batina por conta de uma erisipela terrível. Rezava todas as orações da missa em latim pois já sabia decoradas. Não aceitou que eu celebrasse a missa em seu lugar pois incorporava o sacrifício da sua vida à oferenda da ceia eucarística. Ficar sem celebrar só se estivesse acamado.
Isto me doeu na alma. Vi naquela figura sofrida e sensata, como se estivesse diante de um espelho, o meu alter-ego.
A viagem de volta para a minha comunidade paroquial em Itabuna dirigindo, solitário , um fusquinha, pareceu-me longa demais alternavam cenários na minha mente e da compaixão brotou-me uma luz.
A felicidade e a santidade, vocação última de todas as pessoas, exigem que haja sinceridade e humildade para aceitar as próprias limitações e fragilidades e também coragem para tomar decisões. Podemos aprender com a experiência e a sabedoria dos mais velhos.
- Muda-se o estilo de vida,
- supera-se a solidão afetiva,
- mas não se perde a essência de si mesmo nem a unção sacramental.
Almir, Italva e filhas: Polyana, Luciana e Cristiana, em 1981
Vivo hoje o sacerdócio numa dimensão familiar, a igreja doméstica, com esposa, filhas e netos, motivo especial de dignidade e ação de graças.
É interessante observar nas fotos da ordenação que
- o celebrante ungiu e amarrou as minhas mãos
- mas em seguida a minha mãe desamarrou-as.
Elas continuarão para sempre ungidas e libertas.
A vocação é dinâmica e libertadora. Santo Agostinho a define de forma extraordinária : “Ama e faz o que quiseres ”…
O papa Francisco tem dado sinais de compreensão e abertura aos desafios pastorais e eclesiásticos mantendo uma postura anti-discriminatória. Em meio às muitas resistências que sofre , continua rompendo algumas tradições. Surpreendeu visitando na periferia de Roma uma família de padre casado e lavando os pés de dois jovens muçulmanos em cerimônia de uma semana santa.
Na Amoris Letitia (p 125 / n 204)
- afirma que “a paróquia é a família das famílias”,
- ressalta que “os ministros ordenados carecem de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais das famílias”,
- e completa dizendo que “pode ser útil também a experiência da longa tradição oriental dos padres casados”.
Convém salientar que o nosso querido papa Francisco tem sobre seus ombros uma estrutura pesada de mais de 16 séculos. Muito bem disse Frei Beto : “Ele é uma cabeça aberta num corpo fechado”.
Almir Simões
Funcionário público e Professor universitário aposentado, mora em Salvador, Bahia. É casado com Italva e tem três filhas, um filho e vários netos. Membro muito ativo do Movimento das Famílias dos Padres casados – MFPC – a nível local e nacional.
Fonte: Enviado pelo autor, via e-mail: almir.simoes55@gmail.com
Respostas de 6
João, Gostei tremendamente você ter me mandado as bodas de ouro sacerdotais e a dialética de uma vida. Me senti eu próprio. Pela semelhança. Eu fui ordenado 5 de 8 de 56. Vivi o papa João 23. Era vigário durante o concílio Vaticano IIº. A pastoral era um entusiasmo.
Após o Concilio, fiz o ISPAC Instituto de pastoral catequética com professores que viveram do concilio e fizeram o Instituto Lumen Vitae. A visão de Igreja entusiasmava. Entrou Paulo 6°, matou o concilio. Foi aquela debandada. E eu fui junto.
Mas o fato de vida, mais importante que me sacudiu foi simples, mas me sacudiu. Passava pela minha paróquia missionários fazendo Missões pelo interior. Dormiam aqui na ida e na volta de novo na Paróquia. Um padre idoso Cabelos brancos devia ter uns 70 anos e pra lá. Me procurou para desabafar. E me conta sua historia. Resumindo, deflorou uma mocinho de 15 anos. Eu não pensei em pecado. Fiquei com pena dele. Que com tudo esta idade ainda tinha tentações tão fortes. Com certeza foi uma vida. Quanto sofrimento. Eu cá, fui pensando, comecei pensar sobre a pastoral e a teologia do Vaticano2º, e do meu curso de Pastoral de um ano a experiência que já possuía.
Resolvi minha vida diferente. Encaminhei o pedido de dispensa, que me foi dada em sei m meses, por Paulo 6°. ( Teria muita coisa para comentar sobre a forma como a Cúria dá a dispensa. È coisa de moleque. Hoje sou casado 47 anos. Vivi e vivo contente. Disse ao D.. Francisco, teria o mesmo entusiasmo sacerdotal com minha família. Não entendo porque a direção humano da igreja cria corações tão duros quando estão envolvidos pelo poder. Por Isso Jesus:” dizia ai de vos….”. A Igreja concebida pela Cúria montada depois do Vaticano llº , criou o Dualismo. Uma humanidade dividida.
O Papa Francisco vê uma humanidade só. Só era bom o que vem da Igreja , só é verdadeiras se sais da chefia religiosa católica, O resto do Mundo não é criação do Verbo e o Verbo não está junto? A igreja ( coando falo igreja falo simplesmente do poder humano) está cega. Jesus quando falava, estava também ligado a intuição religiosa dos fariseus e no entanto dizia para eles :Ai de vos. Hoje não estamos longe disto. O Povo não sabe, mas poderia dizer, ai de vós , porque ficam sem o alimento da palavra e das eucaristia simplesmente porque como dizia Jesus: “vocês dizem não poder comer o ovo botado no sábado?” E certamente não vão deixar o seu boi no buraco, se cair no sábado”.
Para quem Jesus dizia aquilo? Sei que não foi para mim. Para mim com certeza falaria outra coisa, você disse sim sim, e depois, não não. Mas não negamos de fazer o sim sim na mesma casa do Pai. Caramba. João estou falando demais, Desculpe. A velhice me faz esquecer… E talvez as bobagens surgem. Mas, vamos lá: viva a vida. E oh lá, a minha vida as vezes me dói, porque sinto muito pela minha esposa que tem a halzeimer. E os cuidados são m muitos e pesados. João um feliz natal pra você e sua família.
JOÃO TAVARES,GOSTEI DESTAS INFORMAÇÕES. EU PESSOALMENTE
PROCURO TOCAR A VIDA PELA MINHA CONSCIENCIA; SEI QUE TUDO
UM DIA VAI MUDAR, A ÁRVORE ESTA MADURA PARA OUTROS FRUTOS.
FELIZ NATAL. COM MUITA ESPERANÇA, APESAR DE TUDO.
UM ABRAÇO PARA SUA LINDA FAMÍLIA.
AMÉRICO RIBEIRO
Felicitações ao Almir Simões (MFPC)
Sua Mensagem ao completar Bodas de Ouro Sacerdotais é otimista para as Familias do MFPC
In Corde Jesu SDS.
Caro João Tavares: … faço questão de enviar ao Almir Simões o meu abraço de parabéns pela ocorrência, pois ela é, para todos nós, um marco importante da nossa vida.
Saudações amigas parati e tua Esposa Sofia.
Obrigado meu caro colega e amigo João Tavares em transcrever a história da Dialética da Minha Vida, originalmente publicada na página no Facebook, para o Site dos Padres Casados. Na essência ela não é exclusiva minha mas pertence a todos os egressos do Brasil e do mundo e diz respeito ao povo de Deus.
Além da minha gratidão a Deus por todas as bênçãos que me foram concedidas tenho hoje um desejo sincero : Que este meu testemunho cheque a Assembleia dos Bispos que se reunirá na Amazônia em 2019 para discutir a escassez de sacerdotes. Ut omnes Unum sint.
Que todos possamos formar uma unidade. As mesmas regras para os padres do Oriente e do Ocidente. Que a Luz do Natal ilumine a nossa igreja católica institucional para que seja mais fiel a Jesus Cristo. Recentemente falando para nós aqui em Salvador sobre Reforma na Igreja, o monge beneditino D. Marcelo Barros , de Recife. Assim se pronunciou : O papa Francisco está segurando a tocha mas o fogo está em baixo.
Este foi o grande incentivo que tive para escrever este artigo por ocasião das minhas Bodas Sacerdotais. Desejo que esta chama arda durante todo ano de 2018. Um forte abraço.
Almir,
Publiquei exatamente porque sabia que e tua história é muito parecida com a de muitos de nós que deixamos o ministério, mas não a vocação cristã e sacerdotal de trabalharmos pelo Reino, de várias formas, conforme o Espirito inspira em cada um, agora como padres casados.
O ser igual a si mesmo, o não defraudar a sua humanidade integral, o ser fiel à sua consciência, o ser honestos consigo, com a Igreja e com o Povo de Deus, se negando a ter uma vida dupla, está por trás de muitas decisões nossas e de milhares de nossos colegas, no Brasil, na América Latina e no Mundo.
Além, naturalmente, da natural incompletude do homem só, que está em grande porcentagem dos que resolvemos deixar o ministério, mas não deixamos o amor à Igreja, ao Povo de Deus, ao Reino.Tu foste um bom tradutor do que muitos de nós sentimos aqui no Brasil e Mundo.
João Tavares – Editor