Em quatro anos, Francisco aprendeu a “ser Papa”

 O Papa descrito como discreto e caseiro, demonstra segurança no meio da multidão. (foto)

 Nicolas Senèze – 10 de março de 2017Le pape, décrit comme discret et casanier, fait preuve d’assurance au milieu de la foule. / Vincenzo Pinto/AFP

 Foto:  Vincenzo Pinto / AFP

Em quatro anos, o homem Jorge Mario Bergoglio permaneceu o mesmo dos primeiros dias. E se a maioria dos temas do pontificado são os do ex-arcebispo de Buenos Aires, as pessoas próximas do Papa notam que que ele deu ao seu ministério uma amplitude universal.

Tradução: Orlando Almeida

 Em 13 de março de 2013, é de início um papa um  pouco desajeitado que aparece no balcão da Basílica de São Pedro. Quase surpreso de estar lá enquanto as bandas iniciam os hinos. Depois, pouco a pouco, durante o seu discurso, Francisco ganha mais segurança até ao gesto surpreendente do bispo de Roma inclinado para receber a bênção de seu povo antes de se dirigir, todo sorrisos, à sua nova diocese.

A 11.000 km de distância, na Argentina, os colaboradores do Cardeal Bergoglio não se lembram de ter visto o seu ex-arcebispo tão sorridente e relaxado.

“Em Buenos Aires, ele era bastante austero, reservado. Ele não sorria quase nunca” – relata o jornalista suíço Arnaud Bédat, autor do livro François l’Argentin [Francisco o Argentino] (1). –  “Uma vez eleito Papa, ele transformou-se, como que tocado pela graça!”. 

 “Para mim, é realmente a graça do Espírito Santo. É um protestante que o diz!” – diz  sorrindo Marcelo Figueroa, amigo de Bergoglio, com o qual começou a colaborar como diretor da Sociedade Bíblica argentina.

“Mas, fundamentalmente, manteve-se o mesmo: as raízes da sua vocação, do seu espírito, da sua alma, ainda estão lá” –  continua Marcelo que acaba de ser nomeado editor da versão argentina de L’Osservatore Romano.

De Buenos Aires ao Vaticano

 

Aqueles que o conhecem bem também reencontram nele – que se demora bastante tempo, durante as audiências, e no encontro com os pobres, as crianças e os doentes, – a mesma atenção com os outros, que Bergoglio tinha em Buenos Aires. “Encontramos nele a mesma simplicidade” –  sublinha Marcelo Figueroa.

A vida simples do Papa no pequeno apartamento da Casa Santa-Marta é prova disso. Um lugar de onde ele raramente sai. “Como em Buenos Aires, ele continua bastante caseiro: até agora nunca foi passear nos jardins do Vaticano, embora eles fiquem fechados à tarde para uso dele” –  observa um dos seus colaboradores que o conheceu bem antes da sua eleição. Sem falar do palácio de Castel Gandolfo, transformado em museu.

 “Jorge Mario Bergoglio detestava viajar” –  explica Arnaud Bédat que lembra que, quando o ex-provincial dos jesuítas foi para Frankfurt para a sua tese de doutorado, esse nostálgico passava longos momentos vendo os aviões decolarem para a Argentina. “Este autêntico Porteño [gentílico de Buenos Aires] vive há quatro anos em Roma sem ter retornado e, se confidencia aos mais íntimos estar com saudade, nunca deixou transparecer nada”.

Um papa disponível para os jornalistas

Como que levado pela sua missão, o Papa Francisco tem até mesmo tomado gosto pelas viagens, mostrando uma vitalidade inesperada.

“Na Coréia, eu esperava vê-lo descansar um pouco, mas, apesar da extensão da viagem, da diferença de fuso horário e da agenda carregada, ele continuou muito ativo, cheio de entusiasmo” – lembra o padre Federico Lombardi, então seu porta-voz. – “Eu comentei com ele sobre isso  e ele respondeu: ‘É a graça de estado’.  E certamente é isso: quando o Senhor dá uma missão, ele dá também a sua ajuda para executá-la”.

 O ex-diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé observa também como Francisco se abriu para os jornalistas. “Na Argentina ele tinha uma grande discrição e, com exceção de um livro de entrevistas, pouco cultivou a relação com os jornalistas” – diz Lombardi. – “Pensava-se que ele continuaria nesta linha: mas foi tudo ao contrário!”.

Agora, não passa um mês sem uma entrevista na imprensa.

“Para mim, a grande revelação foi o retorno da Coreia com a sua conferência de imprensa de uma hora e meia. A sua disponibilidade, a sua abertura, contribuíram muito para ganhar a simpatia dos jornalistas para com ele” – continua o padre Lombardi, que sublinha entretanto que  –

  • a sua presença direta,
  • a sua forma muito concreta de se  expressar, 
  • a sua vontade de dialogar,

já estavam presentes no seu modo de pregar na Argentina”.

Jorge Mario Bergoglio, fiel a si mesmo

 Na verdade, o modo de agir de Francisco não mudou muito. “Tornou-se papa aos 77 anos: nesta idade, não se muda muito” – observa Marcelo Figueroa. Os que trabalham com ele constatam também a mesma rapidez e a mesma determinação na tomada de decisões. “Um mês depois da sua eleição, ele constituiu em torno dele o conselho de cardeais” – recorda o padre Lombardi. – “‘Eu quero dar um sinal concreto de que estou agindo na direção que esperam de mim’, disse ele. Este modo de agir, para iniciar processos, não o deixou”.

E no fundo também, Francisco pouco mudou. Seja na atenção às “pessoas” nas primeiras palavras do pontificado, seja nas referências

  • às periferias,
  • ao mundanismo,
  • aos migrantes,
  • à cultura do descarte,
  • à misericórdia…

todas as grandes palavras do pontificado já estavam fortemente presentes nos escritos do Arcebispo de Buenos Aires.

Com exceção, talvez, da ecologia, que não aparecia senão no documento de Aparecida, que o cardeal Bergoglio tinha coordenado. “Tenho dificuldade em dizer como ele conseguiu dominar este tema” – reconhece um observador da questão na Cúria. “Talvez a ligação entre a Criação e Francisco de Assis, de quem tomou o nome, o tenha feito refletir”.

“Hoje é um papa ouvido pelo mundo”

 Sem dúvida, ele também se deixou influenciar pelo seu predecessor, Bento XVI, que tinha avançado muito sobre o tema. “Mas ele trouxe a sua perspectiva latino-americana, fazendo a síntese a crise ecológica e a crise social” sublinha o padre Lombardi.

Para o jesuíta italiano, no entanto, não se deveria fazer uma leitura de Francisco apenas pelo prisma latino-americano.  “Se, ao chegar de Buenos Aires, ele começou por fazer o que ele fazia lá, ele depois teve encontros com chefes de Estado, com bispos do mundo inteiro, com os líderes de outras religiões. Ele viajou para continentes que ele não conhecia” – insiste.

“Aos poucos, a sua experiência  e o seu olhar se abriram para outras perspectivas e problemáticas que ele integrou numa síntese bastante pessoal. O seu ministério tornou-se universal: hoje é um papa ouvido pelo mundo. Um líder mundial”.

Um homem livre

 A sua influência ultrapassa largamente o mundo católico” – releva Marcelo Figueroa.  – “Os chefes de outras religiões ouvem-no quando ele os chama trabalhar juntos sobre as grandes questões do momento, a viver a misericórdia, a construir pontes, a acolher os refugiados. Num mundo que se fecha é o único líder mundial que abre os braços. Esta é talvez a sua grande característica: a sua liberdade. Francisco é um homem livre”.

Em quatro anos, Francisco aprendeu assim a ‘fare il papa’ [fazer o papel de Papa], como se diz na Itália. “Os seus amigos argentinos relevam que ele tomou gosto pela coisa – constata Arnaud Bédat.Ele também disse a certas pessoas: ‘Tive que vir para Roma para que finalmente me escutem’”.

 

Nicolas Senèze

Nicolas Senèze

Fonte: http://urbi-orbi-africa.la-croix.com/pape/quatre-ans-francois-a-appris-a-faire-pape/

 

 

 

  1. Arnaud Bédat – François l’Argentin [Francisco o Argentino]. – Pygmalion, 246 p., 19,90 €

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *