ANDREA TORNIELLI – 25/08/2016
Foto: Cracóvia, 30 de julho, 2016: Francisco conheceu alguns jesuítas poloneses (fotos de Il Sismografo)
A revista ‘Civiltà Cattolica’ publica a transcrição do diálogo entre o Papa Francisco e 28 jesuítas poloneses que se encontraram com ele na tarde de 30 de julho em Cracóvia
Discernimento é uma palavra-chave nas páginas da Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” que tratam do acolhimento e do acompanhamento das famílias feridas e “irregulares”. E é exatamente da capacidade de discernir que “realmente precisam os sacerdotes” de hoje, inclusive na sua formação. Foi o que disse Francisco dialogando com um grupo de 28 jesuítas poloneses na tarde de 30 de julho, em Cracóvia. Um resumo da entrevista, que durou cerca de 40 minutos, transcrita pelo diretor da revista, Antonio Spadaro, será publicado na próxima edição da revista.
“Peço-vos que trabalhem com os seminaristas – disse o Papa aos jesuítas. – Dêem a eles sobretudo aquilo que recebemos dos exercícios: a sabedoria do discernimento. A Igreja de hoje precisa crescer na capacidade de discernimento espiritual. Alguns planos de formação sacerdotal correm o perigo de educar à luz de ideias muito claras e distintas, e portanto de agir com limites e critérios definidos rigidamente a priori, e que deixam de lado as situações concretas: “Deve-se fazer isto, não se deve fazer isto … “.
E por isso os seminaristas, quando se tornam sacerdotes, acham-se em dificuldades para acompanhar a vida de muitos jovens e adultos. Porque muitos perguntam: “Isso pode ser feito ou não pode?”. Tudo aqui. E muitas pessoas saem do confessionário decepcionadas. Não porque o sacerdote seja ruim, mas porque não tem a capacidade de discernir as situações, para acompanhar com discernimento autêntico. Não teve a formação necessária”.
“Hoje, a Igreja – continuou Francisco – precisa crescer no discernimento, na capacidade de discernir. E principalmente os sacerdotes precisam realmente disso para o seu ministério. Por isso é preciso ensinar aos seminaristas e aos sacerdotes em formação: eles é que vão receber habitualmente as confidências da consciência dos fiéis. A direção espiritual não é um carisma somente dos sacerdotes, mas também dos leigos, é verdade. Mas, repito, é preciso ensinar isto principalmente aos sacerdotes, ajudá-los à luz dos Exercícios na dinâmica do discernimento pastoral, que respeita o direito, mas sabe ir mais adiante. Esta é uma tarefa importante para a Companhia”.
O papa Bergoglio disse em seguida que tinha ficado particularmente impressionado com um pensamento do padre Hugo Rahner:
“Ele pensava claro e escrevia claro! Hugo dizia que o jesuíta deveria ser um homem com o faro do sobrenatural, isto é, deveria ser dotado de um senso do divino e do diabólico relacionados com os acontecimentos da vida humana e da história. O jesuíta deve portanto ser capaz de discernir seja no campo de Deus seja no campo do diabo. Por isso nos Exercícios santo Inácio pede para ser introduzido no conhecimento seja das intenções do Senhor da vida seja das do inimigo da natureza humana e dos seus enganos “.
“É ousado, ousado realmente – explicou Francisco – o que ele escreveu, mas é exatamente isto o discernimento! É preciso formar os futuros sacerdotes não para ideias gerais e abstratas, que são claras e distintas, mas para esta sutil discernimento dos espíritos, para que eles possam realmente ajudar as pessoas na sua vida concreta. É preciso entender realmente isto: na vida nem tudo é preto sobre o branco ou branco sobre o preto. Não! Na vida predominam os tons de cinza. É preciso então ensinar a discernir neste cinza”.
Num outro trecho do diálogo, o Pontífice falou das perguntas que lhe tinham feito alguns jovens da JMJ com os quais se havia sentado à mesa naquele dia.
“Hoje no almoço, fizeram-me algumas perguntas … Perguntaram até como me confesso! Eles não têm vergonha. Fazem perguntas diretas. E a um jovem é preciso responder sempre com a verdade. Hoje na hora do almoço em um certo momento chegamos a falar da confissão. Uma jovem perguntou-me: “O senhor se confessa?”. E começou a falar de si mesma. E disse- me: “No meu país tem havido escândalos relacionados com os padres, e nós não temos a coragem de nos confessarmos com o padre que viveu esses escândalos. Eu não consigo. ” Vocês vêem: eles dizem a verdade, às vezes nos repreendem ….”.
“Os jovens falam diretamente – prosseguiu Bergoglio dirigindo-se aos confrades jesuítas. – Eles querem a verdade, ou pelo menos um claro ‘não sei como responder’. Não se devem usar nunca subterfúgios com os jovens. Assim também com a oração. Perguntaram-me: “Como o senhor reza?”. Se você responde com a teoria, ficam decepcionados. Os jovens são generosos. Mas o trabalho com eles exige também paciência, muita paciência.
Um me perguntou hoje: “O que devo dizer a um amigo ou amiga que não acredita em Deus para que se torne crente?”. Aí está: vê-se que às vezes os jovens precisam de ‘receitas’. Então devemos estar prontos para corrigir esta atitude de pedido de receitas e respostas prontas. Eu respondi: ‘Olha, a última coisa que deves fazer é dizer alguma coisa. Começa a fazer alguma coisa. Depois será ele ou ela que virá pedir-te explicações sobre como vives e por quê’. É isso: é preciso ser diretos, diretos com a verdade“.
Andrea Tornielli
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In: http://www.ihu.unisinos.br/559364-papa-francisco-a-jesuitas-poloneses-nem-tudo-e-preto-no-branco
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