O último ato do Juntos Pela Europa, em Munique, neste sábado
António Marujo – 03/06/2016
Comunidade de Santo Egídio pede suspensão de artigo de Schengen para acolher refugiados em extrema vulnerabilidade.
O Papa Francisco quer que a Europa reflita se o seu patrimônio é “parte de um museu” ou se “ainda é capaz de inspirar a cultura e de doar os seus tesouros à humanidade inteira”.
António Marujo, jornalista do religionline.blogspot.pt em serviço especial para a Agência ECCLESIA (o texto está redigido segundo a anterior norma ortográfica)
A pergunta foi feita pelo Papa numa mensagem gravada e transmitida, em vídeo, na Karlsplatz, no centro de Munique. Na capital da Baviera (Alemanha), terminou ontem, sábado, o congresso Juntos Pela Europa, iniciativa que reúne cerca de 300 movimentos e comunidades de diferentes igrejas cristãs – católicas, ortodoxas, protestantes, anglicanas e igrejas livres.
Dirigindo-se a umas quatro mil pessoas concentradas na praça – além dos participantes, também outros que apareceram para a sessão final, incluindo mais de um milhar de jovens –, o Papa afirmou que a Europa vive grandes problemas, que os cristãos de diferentes igrejas devem saber enfrentar com o “acolhimento e a solidariedade em relação aos mais débeis e desfavorecidos, construindo pontes e ultrapassando conflitos”.
Aludindo aos refugiados que buscam proteção no continente, Francisco insistiu na ideia de uma Europa que coloque no centro a pessoa humana,
- através do acolhimento
- e da cooperação econômica, cultural e social.
O documento final insiste numa ideia repetida por diferentes intervenientes e de muitos modos durante os três dias de trabalho:
- a Europa, com uma profunda crise a manifestar-se em vários aspectos – incapacidade de acolher os refugiados que buscam proteção,
- o “brexit” da semana passada,
- a crise financeira que não se ultrapassa,
não deve tornar-se “uma fortaleza e erigir novas fronteiras”. Pelo contrário, afirmam, “não há alternativa ao viver juntos”.
As “experiências terríveis de duas guerras mundiais” serve para mostrar onde pode acabar a lógica dos egoísmos nacionais ou culturais, avisam os participantes.
Francisco, na foto durante a recente visita à Armênia, lembrou aos participantes no congresso Juntos pela Europa que não podem erguer-se novas fronteiras | EPA/ALESSANDRO BIANCHI
Um apelo às Igrejas: já chega de separação
Também para os responsáveis das igrejas cristãs vai um apelo, um ano antes de se assinalarem, em 2017, os cinco séculos anos do início da Reforma protestante de Martinho Lutero, e reconhecendo o contra-testemunho que é dado pela divisão das igrejas: “Pedimos aos responsáveis das igrejas que ultrapassem as divisões. Enquanto cristãos, queremos viver juntos, na reconciliação e em plena comunhão.”
“Quinhentos anos de separação já são demais”, lembraram vários intervenientes no encontro.
Ambas as mensagens
- acolhimento à diversidade cultural, incluindo os refugiados;
- e importância de um testemunho unido dos cristãos numa Europa que se esboroa
foram repetidas sistematicamente pelos diferentes intervenientes na sessão final, bem como nas músicas e danças executadas por bandas e grupos de jovens.
A questão dos refugiados acabou por estar presente, implícita e explicitamente, em muitas intervenções do congresso. E também em exemplos de iniciativas concretas.
O presidente da Comunidade de Santo Egídio, Marco Impagliazzo, contou como este grupo católico se envolveu com várias igrejas evangélicas de modo a criar corredores humanitários para os refugiados que buscam protecção na Europa.
Santo Egídio e as igrejas evangélicas pediram ao governo italiano a suspensão de um artigo do Acordo de Schengen por motivos humanitários, de modo a que o país possa conceder um milhar de vistos a refugiados em situação de extrema vulnerabilidade:
- doentes,
- deficientes,
- mães com crianças.
Estabelecendo corredores humanitários seguros, com a viagem aérea paga por aquelas organizações e a integração em comunidades locais, os refugiados escapam à morte no mediterrâneo ou às redes mafiosas que ganham dinheiro com a tragédia.
Impagliazzo diz que a ideia pode ser reproduzida em outros países.
- Na Polônia, a Conferência Episcopal vai pedir ao Governo a mesma decisão.
- E, em França, está previsto, para a próxima semana, um encontro de responsáveis da Comunidade com o ministro dos Negócios Estrangeiros.
- “Espero que Portugal também” decida o mesmo, acrescenta.
Numa das suas intervenções, o presidente da Comunidade de Santo Egídio referiu ainda que
“a Europa não pode esquecer África. Antes pelo contrário, tem por missão colaborar com o seu desenvolvimento, na luta “pela democracia e contra pandemias como a sida e a malária”.
Precisamente nesta linha de ajuda, o fundador de Santo Egídio, o historiador Andrea Riccardi, está nestes dias em Moçambique, para ajudar nas negociações destinadas a preservar a paz no país – o que o impossibilitou de estar em Munique, como previsto inicialmente.
Portugal: agir pela diversidade
Para Portugal, o Juntos Pela Europa representa um “desafio enorme”, disse a presidente da Conferência Nacional do Apostolado dos Leigos, Alexandra Viana Lopes.
“Somos chamados a agir pela aprendizagem da diversidade dentro da Igreja Católica, entre cristãos de diferentes confissões, na política ou em outras realidades sociais”, afirma.
Dando o exemplo da política, a responsável da CNAL diz que os cristãos envolvidos na política deveriam reflectir em conjunto sobre como encontrar caminhos de solução para a economia e outros domínios de acção.
“Podemos receber mais refugiados, mesmo se a Igreja e a sociedade civil já têm trabalho nesta matéria. O bloqueio é a política europeia”, acrescenta, sobre a questão dos que buscam proteção na Europa.
Acerca do diálogo ecumênico, Alexandra Viana Lopes diz que já há trabalho comum com algumas igrejas evangélicas, mas que é preciso alargar o campo de reflexão e de ação conjunta.
(síntese dos textos publicados no DN e na agência Ecclesia;
texto anterior no blogue: Cristãos da Europa vão ao circo para defender integração dos muçulmanos – o primeiro dia do congresso Juntos Pela Europa, em Munique)
António Marujo
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