Ana Carolina Evangelista, cientista política, é diretora-executiva e pesquisadora
do Instituto de Estudos da Religião (ISER) do Rio de Janeiro.
“No contexto de crises, os políticos, religiosos ou não, utilizam o religioso e as suas formas contemporâneas mais individualistas e dogmáticas como forma de apresentar alternativas que prometem o retorno à ordem, à previsibilidade, à segurança e à unidade. Na política brasileira atual, a religião é um recurso discursivo de pertencimento e recuperação da ordem utilizado pelos ultraconservadores, ou neoconservadores, para fazer avançar suas agendas nos espaços institucionais”. A reflexão é de Ana Carolina Evangelista, em artigo publicado por Le Monde Diplomatique Cono Sur, edição de fevereiro de 2025. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A religião parece brotar da terra toda vez que se analisa hoje a política no Brasil, e não apenas no Brasil. Seja durante os processos eleitorais ou nos corredores dos poderes Executivo e Legislativo, não passa um dia sem que falemos sobre como está a intenção de voto do segmento evangélico, ou sobre o posicionamento do deputado A, B, C… que tem manifestado suas referências religiosas para justificar seu voto ou seu novo projeto de lei, e as repercussões que isso teria no Governo. Mas o que aconteceu? Por que vemos mais religião na política? Ela sempre esteve aí e simplesmente não prestávamos atenção nisso? Por que já não é mais possível falar de eleições e de política sem que um pouco de religião queira aparecer?
E será que tudo realmente tem a ver com religião? Eu diria que não. Se extrapolarmos para o contexto brasileiro uma pesquisa recente publicada nos Estados Unidos, talvez mais pessoas comecem a se perguntar se de fato estamos falando de uma invasão indiscriminada da religião na política ou se estamos testemunhando uma incorporação sistemática, radicalizada e instrumental da religião por um dos polos político-ideológicos. A segunda opção parece mais precisa.
A diferença religiosa
O Pew Research Center entrevistou cerca de 12.600 adultos em fevereiro de 2024 e constatou que a grande maioria dos adultos estadunidenses concorda que a influência da religião na vida pública está diminuindo: 80% deles, a percentagem mais alta já registrada pelo instituto nas suas pesquisas. Porém, metade considera isso algo negativo. Mas qual metade? Existem diferenças importantes entre republicanos e democratas, entre evangélicos e católicos, entre adultos mais velhos e adultos jovens.
Entre os republicanos, 68% consideram o declínio da influência da religião na sociedade uma coisa má, em comparação com apenas 33% entre os democratas. A mesma pesquisa indica que a maioria apoia o princípio da separação entre Igreja e Estado, e poucos acreditam que o Governo Federal deveria declarar o cristianismo como religião oficial do país. No entanto, existe uma aparente divisão entre aqueles a favor e contra a promoção dos valores morais cristãos pelo Governo: 44% contra 39%. Nem tudo tem a ver com a religião, mas muito tem a ver com a polarização.
Os adultos jovens são mais propensos do que os adultos mais velhos a dizer que o governo não deve declarar o cristianismo como religião oficial ou promover os valores morais cristãos. Da mesma forma, são os mais jovens que rejeitam com mais veemência a ideia de que a diminuição da influência da religião na vida pública seja algo negativo. Há também um sentimento crescente de que as próprias crenças religiosas das pessoas entram em conflito com a sociedade em que vivem e que é melhor não discutir diferenças religiosas.
Fonte: Site Instituto Humanitas Unisinos
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