POLÍTICA – Apontamentos sobre a “crise” na caserna. Artigo de Manuel Domingos Neto

O indiciamento de militares golpistas suscita muitas reflexões. Pode haver reações violentas dos comandantes? O STF se intimidará? Como afastar as corporações da política? Debate deve ser sóbrio e passar por uma nova concepção de Defesa Nacional.

O artigo é de Manuel Domingos Neto, historiador, professor, pesquisador, escritor e político brasileiro que foi deputado federal pelo Piauí, publicado por Outras Palavras, 25-11-2024.

Eis o artigo.

Estivemos à beira de mais uma ditadura?

Estaremos sempre, enquanto persistir a síndrome pós-Guerra do Paraguai. Homens armados se veem superiores aos desarmados. Se bem treinados, maior a sensação de superioridade. Se enfileirados, uniformizados e afastados da convivência social, imaginam-se capazes de tudo. Pretendem-se dignos de glória e subjugam os que lhes sustentam. Para o poder político, comandá-los é tarefa obrigatória. Não há meios termos: ou comanda ou é submetido.

Os ânimos nos quais quartéis estão acirrados?

O clima é de apreensão sobre os desdobramentos das investigações. Há profundo mal-estar com a saraivada de denúncias e críticas desabonadoras. Corporações têm instinto de defesa: percebendo-se atacadas, tendem a se unir, não a se fragmentar.

Ocorrerão tentativas de intimidar a Justiça e o Comandante Supremo das Forças Armadas. É preciso enquadrar os oficiais da ativa e da reserva que extrapolem. Caso os comandantes das corporações não enquadrem os ativistas explícitos, estarão prevaricando.

Pode haver reações violentas dos comandantes?

Não creio. Sabem que perderão. Os militares aprenderam a planejar, a agir por “aproximações sucessivas”. Certamente, há pressões internas, mas nada que arranhe a cadeia de comando.

As corporações respeitarão a Justiça?

Vejamos como será o processo judicial. A Justiça vai contemporizar? Essa é a tendência. O “diálogo” desmoraliza a Justiça, assim como o poder político. Militar é preparado para obedecer, não para dialogar. Se o militar não sentir firmeza na autoridade, buscará submetê-la.

O inquérito da PF atinge de fato todos os responsáveis?

De forma alguma. Até agora, atingiu criminosos notórios, o que representa um grande feito. Mas, Villas Bôas, incentivador de baderneiros, ficou fora da lista. Todos os comandantes de unidades que agasalharam golpistas em suas calçadas têm contas a prestar. Os que discursaram nos quartéis, nem se fale. Aguardemos o andamento do processo. O STF não pode se intimidar. Se mostrar medo, a porta do inferno continuará aberta.

O prosseguimento das investigações mostrará os comandantes de unidades militares que prevaricaram ao permitir acampamentos de baderneiros. Esses ajuntamentos sediciosos foram financiados por políticos e empresários, que também devem contas à Justiça.

Não estou propondo o aprisionamento de milhares de oficiais. Mas a análise das responsabilidades corporativas é imprescindível. Essa não é apenas tarefa da Justiça, mas do Parlamento e do Executivo, que só agirão pressionados pelo movimento democrático.

Fonte: Site Instituto Humanitas Unisinos
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